MARIA – Não Esqueça Que Eu Venho Dos Trópicos

Abordar assuntos que são considerados tabus pela sociedade sempre é uma batalha, aparentemente tudo está bem e pacífico se nada sair do roteiro daqueles que acham que mandam.

Agora imaginem uma mulher ter a coragem de abordar a sexualidade e ter uma vida independente do marido entre as décadas de 1940 e 1960. Essa corajosa não é nenhuma estrangeira, ela é brasileira, mineira, para ser mais específica, ela é Maria Martins, a escultura que chocou Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro e, por quê não, o mundo com sua visão livre.

No documentário “MARIA: Não se Esqueça que Venho dos Trópicos” é relatada a vida de Maria Martins, desde antes de se casar com o diplomata Carlos Martins, seu dramático desquite com o primeiro marido (o divórcio não era permitido na época), sua evolução artística conforme foi entrando em contato com artistas do mundo, a repercussão desta, dentre outras curiosidades de sua vida pessoal e profissional.

Maria perdeu a guarda da sua primeira filha quando se decidiu pelo desquite e por ser casar com Carlos Martins em seguida, porém ela passou a ter a oportunidade de conhecer muitos países e pessoas que mudaram o rumo da sua história, e, com certeza, ela mudou as deles.

Eles passaram muito tempo em Paris, onde ela passou a ter aulas de escultura, que até então era só uma diversão de esposas de embaixadores entediadas, porém Maria tomou gosto e começou a fazer peças ousadas, que expressavam o que ela sentia e pensava, isso na década de 1940.

Quando estava para fazer uma grande exposição numa das maiores galerias do país ela teve que ir para Nova Iorque com o marido, que havia sido mandado para em razão da Segunda Guerra Mundial. Uma nova cidade e o relativo fracasso da exposição cancelada fizeram Maria se isolar um pouco, mas de forma construtiva.

Ela separou uma sala na embaixada brasileira para ser seu ateliê, e passava mais tempo lá do que em casa e com o material que havia trazido de Paris. As obras já prontas também foram com ela e, depois de um tempo, foram expostas em Nova Iorque.

Novas amizades também foram feitas, em especial com o artista Marcel Duchamp, com quem manteve um relacionamento ligado pela escultura. Enquanto viveu em Nova Iorque, Maria trabalhou com ele em obras, um inspirou no outro, com esculturas polêmicas.

Por que são tão polêmicas? Não são esculturas românticas, são visões quase agressivas, mostram a mulher e a sua sexualidade nas mais diversas formas, desde a deusa das águas, Iara, até uma mulher parindo um monstro (alguns dizem ser uma reflexão da perda da guarda da primeira filha no desquite) e um casal frente a frente praticamente se engolindo, filosoficamente falando.

Curiosidades: O documentário revela a grandiosidade da obra de Maria e sua ousadia ao tratar da sexualidade a partir da perspectiva feminina, em uma poética transgressora e pioneira, uma das causas dos ataques que sofreu da crítica brasileira. Das mãos de Maria nasceram potentes figuras metamórficas – deusas e monstros sensuais, bárbaros, em plena transmutação. “É uma sensualidade invasiva, que morde, que come pedaços das pessoas”, comenta o fotógrafo e artista plástico Miguel Rio Branco a respeito da tônica da obra de Maria. Para Paulo Herkenhoff, trata-se da escultura mais radical feita no Brasil na primeira metade do século XX. “Maria aborda a nudez, a carnalidade, sempre à flor da pele, de uma forma absolutamente explícita. Uma maneira cativante e intrigante de abordar a sexualidade como um mistério, o mistério da devoração mútua”, observa. Michael Taylor (Museu de Arte da Virginia, EUA), Carolyn Christov-Bakargiev (curadora da documenta 13), Verônica Stigger (escritora e crítica de arte) e Mário Cravo Filho (artista plástico), entre outros, também participam do longa. “É uma sensualidade invasiva, que morde, que come pedaços das pessoas” Miguel Rio Branco

 Os Diretores: Francisco C. Martins – Um dos iniciadores do Novo Cinema Paulista, escreveu e dirigiu, junto com José A. Garcia, os longas: O Olho Mágico do Amor (1982), Onda Nova (1984) e Estrela Nua (1985). Escreveu e/ou dirigiu documentários, comerciais e séries de TV (Castelo Ra-Tim-Bum, Gente Que Faz e Brasil Real). Roteirista do documentário Tempo de Resistência (2003), de André Ristum. Dirigiu, com Helena Ignez, Luz nas Trevas, A volta do Bandido da Luz Vermelha (2010), competição internacional no 63º Festival de Locarno.

 Elisa Gomes (codiretora e produtora) – MARIA – Não Esqueça Que Eu Venho Dos Trópicos é seu primeiro longa-metragem como codiretora e produtora. Mestre em Artes pela Central Saint Martins College of Art and Design, Londres (2003), em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2008) e, e Pós-Graduação em Cinema Documentário da FGV – Fundação Getúlio Vargas, SP (2011). Participou com o vídeo FROM (2003) do 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica VIDEOBRASIL (2005) e da MOSTRAVÍDEO Itaú Cultural (2007). Desenvolveu vídeos cenográficos para espetáculos de teatro e participou de exposições. De 1982 a 2002, trabalhou na empresa ANA-ARTE NATIVA APLICADA inicialmente como designer têxtil e estilista para a partir de 1991 tornar-se responsável pela coordenação de desenvolvimento de produtos e administração da empresa.

O artista plástico e fotógrafo Miguel Rio Branco descreve a obra de Maria assim: “É uma sensualidade invasiva, que morde, que come pedaços das pessoas”. Já Paulo Herkenhoff afirma que: “Maria aborda a nudez, a carnalidade, sempre à or da pele, de uma forma absolutamente explícita.”

Maria foi uma das mais influentes artistas de sua época, foi através dela que o Brasil recebeu uma exposição de Picasso e inúmeros artistas dos mais diversos países para a II Bienal de Arte. Ela enfrentou o senso comum, falou o que queria e como queria e recebeu o respeito dos artistas em retorno.

Provavelmente fora vista com maus olhos para aqueles que achavam que uma mulher não poderia fazer tal coisa, mas ela foi feminista antes mesmo da revolução feminista.

O documentário é constituído por entrevistas, guiadas por Malu Mader, de três netos de Maria, conhecidos e colegas da época e historiadores, que trouxeram de volta a história dela. Também tem a declamação de cartas que trocou com Duchamp, que perdeu o contato quando ela teve que voltar para a Europa, depois para o Brasil.

A história dela estava um pouco esquecida porque ela tinha, por causa do marido, provavelmente, relações com Getúlio Vargas, então fora colocada de lado quando o Regime Civil Militar se instalou.

Particularmente achei interessante a conhecer, porque parece essa é a sensação que se sente depois de assistir o documentário. Primeiro por causa da coragem dela, já seria difícil ter essa posição artística na época, mas para ela era ainda maior por ser esposa de diplomata.

Os outros motivos advém dessa relação dela com a diplomacia, tanto pelo casamento quanto pela arte, que se confirma com a supracitada II Bienal. Por causa dessa relação, o documentário tem imagens do Palácio do Itamaraty e do sítio que foi do Barão do Rio Branco (Maria e Carlos moraram quando voltaram para o Brasil).

O que melhor para quem sonha em ser diplomata do que ver um pouquinho daquele prédio lindo? Conhecer um pouco da história de outro diplomata também vai bem, mas ver o prédio anima muito.

Para finalizar, a trilha sonora do documentário foi muito bem estruturada. Por ser um longa falando de escultura, de arte que precisa ser analisada e refletida, quando as obras aparecem há total silêncio. Nos momentos que se falava da história ou se mostrava as imagens antigas colocaram melodias calmas, mas conhecidas e que se ligavam com a história, a grande maioria de composição brasileira.

A questão de serem brasileiras é o que importa, porque Maria sempre se inspirou no Brasil, apesar de todos seus anos fora do país.

Espero que ela possa inspirar todos e todas!

Beijinhos e até mais.

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