Resenha: A Primeira Guerra Mundial, por Martin Gilbert. Leitura obrigatória.

Talvez a proximidade cronológica tenha transformado a Segunda Guerra Mundial em um evento mais conhecido do público. Livros, filmes, documentários, séries, quadrinhos e outras formas de expressão são destinados a esse fato histórico em abundância, enquanto a Primeira Guerra Mundial, pouco a pouco, recebe menos atenção.

Existem bons materiais sobre o assunto. Grandes livros foram escritos e eles permitem que uma das maiores guerras travadas na história da humanidade não seja esquecida. Mas é sempre bom lembrar.

Aprendi durante as aulas de metodologia da História o seguinte: A história e seus desdobramentos devem ser narrados e analisados ​​pelos historiadores. Portanto, de acordo com meu professor, leia sobre fatos históricos que foram esboçados por um conhecedor do assunto. E poucos se destacam a este respeito como Martin Gilbert .

Algum tempo atrás eu recebi uma das obras mais importantes do autor através da editora Leya (Casa da Palavra) . Este foi um pedido meu, já que o assunto sempre me fascinou. Eu apenas não esperava obter um livro tão bom e relevante sobre o assunto.

Politics and interests in conducting a war.

                                    Announcement of the death of Franz Ferdinand and his wife Sophie

Vamos ver isso: a Primeira Guerra Mundial era impensável numa época em que vários fatos se alinhavam para gerar conflitos. Mas o que realmente está por trás dessa tragédia que afetou tantas nações? O assassinato do arquiduque Franz Ferdinand e sua esposa realmente desencadeou uma guerra que lentamente arrastou vários países para um dos maiores massacres já registrados?

É preciso que compreendamos, antes de tudo, que uma guerra é orquestrada por homens. Homens, por sua vez, são conduzidos por suas arrogâncias, desejos e vontades. A Grande Guerra poderia ter sido evitada, principalmente se levarmos em conta que os maiores líderes de grandes potências e impérios eram – em algum grau – parentes. O Kaiser alemão, o rei da Inglaterra, o Czar russo e o imperador austríaco eram próximos. No caso do Kaiser e do Czar havia, inclusive, um afeto muito grande, já que eram primos e amigos.

Novamente entramos no debate das vaidades e interesses. Mesmo tão próximos, os líderes não comandavam sozinhos. Assessores, conselheiros, comandantes e outros homens influentes os cercavam. A verdade está no fato de que nenhum governante, líder, rei ou seja qual for o título empregado, tomará uma decisão do porte de uma declaração de guerra sem ouvir seus apoiadores. E foi isso que, infelizmente, aconteceu.

A Grande Guerra poderia ter sido evitada pela diplomacia, porém havia a possibilidade de retomada de territórios, crescimento político e enriquecimento com a apropriação dos espólios de guerra. O século XX vivia uma era onde a prosperidade aumentava em muitos países. E tudo poderia ter permanecido assim se não fosse a sede de poder.

Para que o leitor se situe, a França era uma potência cultural, a Inglaterra detinha uma das maiores forças navais do mundo, a Alemanha prospera com suas indústrias, o império russo era gigantesco em número de guerreiros, território e orgulho, enquanto a Áustria-Hungria vivia uma era onde a sucessão de Franz Joseph estava próxima.

Ora, se tudo estava bem, o que gerou a guerra? Um assassinato de um casal, a inconsequência de líderes ou o apelo popular? Esses fatores e outros mais deram início a uma guerra onde a maioria dos países envolvidos imaginava um conflito rápido e lucrativo.

Nações deixaram de lado o bom senso para atentar aos apelos de seus egos inflados. A França nutria rancor pela Alemanha, a Inglaterra pediu pela neutralidade da Bélgica, a Alemanha se valia de um plano elaborado por longos anos, a Áustria-Hungria queria anexar a Sérvia e os Russos, aliados dos sérvios, sabiam da intenção de guerra alemã. Os russos também apoiavam a França que ansiava pela retomada da Alsácia e Lorena.

Muitos fatores se alinharam para que um conflito jamais visto tomasse forma. Da sede por poder e da petulância dos que viram o sucesso próximo, formou-se um quadro inesquecível na História da humanidade, onde milhões de vidas foram ceifadas de forma brutal.

                                                                                                                Kaiser Wilhelm II da Alemanha e o Czar Nicolau II da Rússia.

As perdas.

Os quatro anos de conflito foram suficientes para eliminar da face da Terra alguns milhões de homens, mulheres, velhos e crianças. A população civil sofreu duplamente ao ver suas vidas destroçadas pela guerra e ao encarar seus jovens filhos a caminho de um combate onde a morte era algo muito provável. Havia confiança nos jovens, fruto de um desconhecimento total do que os aguardava.

O processo de avanço da guerra foi gradual e ininterrupto. País após país ingressou no esforço de guerra em prol de seus interesses próprios. As decisões foram notícia em todos os cantos do mundo, ainda que ninguém tivesse a menor noção do real estrago que ocorria nos fronts.

Conforme o tempo passava, a contagem de corpos crescia. Lendas também surgiam, seja por bravura ou despreparo. A França, inicialmente, não estava à altura dos combates e da violência de uma guerra daquele porte. Belgas resistiram com o apoio britânico. Generais se mostravam impiedosos. Tudo acontecia e o campo de batalha só aumentava.

Fora as incontáveis perdas de vidas humanas, cabe ressaltar a destruição de vários patrimônios históricos, bibliotecas, escolas e hospitais. A selvageria que só uma guerra é capaz de despertar estava mais desperta do que jamais esteve. Cidades invadidas sofriam com a humilhação, roubos e estupros. Os mais frágeis eram vítimas ideais e soldados inimigos eram mortos e expostos como exemplo.

Em guerras, a principal perda é a da noção de humanidade. A piedade dá lugar ao prazer de matar e à sensação de que nada poderá impedi-lo de fazer aquilo que lhe aprouver.

Animais também fazem parte da contagem de vítimas. A Grande Guerra contou com exércitos cujo ponto forte era a cavalaria. Foram centenas de milhares de cavalos mortos. Sem cavalos, exércitos avançavam com muita lentidão, canhões tinham que ser arrastados por soldados e até o transporte de suprimentos estaria prejudicado.

                                                                                                                                    Paul von Hindenburg e Erich Ludendorff

As trincheiras e os erros de guerra.

Em um impasse na frente ocidental, alemães e franceses iniciaram um novo tipo de front cuja principal característica estava na imobilidade das tropas. As trincheiras eram constituídas de várias linhas de defesa onde homens transitavam e viviam em espaços pequenos, sujos e capazes de provocar a loucura ao longo do tempo.

Avançar em territórios que não os seus é outra tarefa árdua, por vezes mortal. Um dos maiores inimigos do avanço dos combatentes estava na lama. Em uma das batalhas houve o alagamento de uma grande área, fato que gerou quilômetros de terreno lamacento. Como a maioria das tropas avançava a pé ou a cavalo, caminhar por essas regiões era quase impossível.

Nas trincheiras o tempo falava cada vez mais alto. Permanecer vivo era algo difícil. Os soldados tinham que lidar com rações escassas, sede, o som ensurdecedor das baterias de artilharia, cadáveres se decompunham próximo a eles, e o cheiro era insuportável. Longe do alcance da artilharia pesada, mas sempre sujeitos aos atiradores, os combatentes viviam isolados em um espaço pequeno. Os erros eram punidos com a limpeza de latrinas.

Muitos perderam pés por causa de micoses (pé de trincheira) e outros incontáveis pereceram diante da “febre da trincheira”. Meses se passavam para que tropas avançassem poucos metros de território ao custo de milhares de vidas. Assim era a vida no front.

Os maiores erros, contudo, foram cometidos pelas lideranças militares. Egos inflados disputavam a chance de se destacar no confronto, ainda que ao custo de milhares de vidas de soldados.

 

Heróis (?) e Vilões (?) da Primeira Grande Guerra.

                                                                                    O jovem Winston Churchill

Mesmo quem fica na área administrativa, na logística, tem sua parcela de culpa na morte ou desgraça dos inimigos. Pior que isso, alguns são responsáveis pela morte de seus próprios conterrâneos. Um exemplo é o erro fatal cometido por Winston Churchill (o líder que foi de vital importância na Segunda Guerra Mundial) ao enviar tropas embarcadas para o fatídico desembarque de Galípoli nos Dardanelos, uma manobra de guerra tão mal sucedida que Churchill recebeu a alcunha de o Carniceiro de Galípoli.

No início da Primeira Guerra a Alemanha teve dois generais em destaque: Paul von Hindenburg e Erich Ludendorff, cujos comandos se mostraram extremamente eficientes contra a máquina de guerra russa. Deles vieram as maiores vitórias e alguns dos mais terríveis erros dentro da máquina de guerra alemã. A importância deles, porém, não poderá jamais ser contestada. Hindenburg teria pertinência na história alemã mesmo após o fim da Grande Guerra. A uma das maiores trincheiras da guerra foi atribuído seu nome, assim como ocorreu ao famoso dirigível Hindenburg. Aos seus planejamentos também estão associadas incontáveis mortes nos campos de combate.

Até mesmo após o fim da guerra ficou a dúvida: quais foram os vencedores e derrotados? Não houve saldos positivos. As perdas são um marco aterrador na história da humanidade, milhões morreram, outros milhões ficaram gravemente feridos e o número de pessoas que perdeu a sanidade e a saúde corporal é impossível contabilizar. Milhares faleceram mesmo após o fim da guerra, seja em decorrência dos ferimentos, enlouquecidos ou simplesmente por não conseguirem se readaptar a uma realidade sem os horrores do conflito.

Em nome de interesses pessoais, políticos, territoriais e financeiros, o século XX iniciou com um conflito que destruiu impérios, ceifou milhões de vidas e arrasou com as vidas de milhões de jovens que voltaram do combate com sequelas físicas ou mentais ou espirituais.

Cabe ressaltar que nações ficaram destruídas após esses anos de guerra. Aos vencedores restou a partilha de territórios, a reconstrução de seus países e a retomada da normalidade. Aos derrotados pouco restou além da humilhação da derrota, do pagamento de dívidas de guerra, a perda de territórios e uma crise financeira e política sem precedentes.

Com base no acima exposto, deixo um alerta: uma guerra não termina com a assinatura de um tratado de paz ou rendição. A guerra permanece para os sobreviventes e serão eles que deverão conviver com as sequelas. Um conflito do porte da Grande Guerra custa milhões de dólares e pode levar um país à falência. A Alemanha e a Áustria-Hungria pagaram caro pela ousadia de tentar conquistar territórios e combater os vencedores. Uma prova disso está no fato de que a Alemanha passou pela pior crise financeira de sua história após o término da Primeira Guerra, algo que levou o povo à busca de alguém que pudesse lhes prover um mínimo de esperança. Eis que surge Adolf Hitler!

Entre tantas obras sobre o tema, por que adquirir esta?

Simples. Martin Gilbert é um historiador e biógrafo conceituadíssimo. Ele é o principal biógrafo de Winston Churchill e tem duas publicações extremamente importantes sobre as duas Grandes Guerras.

Outro ponto a ser observado está na forma como esses relatos de guerra (e seus bastidores) são apresentados ao leitor. A leitura não é enfadonha, tem uma escrita acessível e mostra um conteúdo histórico gigantesco. Mas isso não é a única carta na manga de Martin Gilbert para fazer sua obra se destacar das demais. Como biógrafo, Gilbert tem um grande talento para transpor relatos quase como se os envolvidos neles tivessem lhe ditado tudo.

Sir Martin Gilbert foi um dos principais historiadores de sua geração. Membro honorário do Merton College, em Oxford, por trinta anos, autor de 80 livros, entre os quais A Primeira Guerra Mundial A Segunda Guerra Mundial, a biografia de Winston Churchill em dois volumes (publicados no Brasil pela Casa da Palavra), A Comprehensive History of Israel e os três volumes de A History of the Twentieth Century. Faleceu em fevereiro de 2015.

Detalhes sobre essa versão de A Primeira Guerra Mundial, da Casa da Palavra.

A obra de Martin Gilbert já havia sido publicada no Brasil em edições separadas.

A editora Leya, através do selo Casa da Palavra, trouxe uma versão definitiva da obra, única e completa.

                                                                        O livro foi publicado anos atrás em volumes.

A edição conta com prefácio, introdução, 29 capítulos, uma extensa bibliografia que dá credibilidade à obra e serve como referência para um aprofundamento no tema por parte do leitor, índice remissivo, notas, mapas e uma lista de agradecimento. A sessão de mapas é uma cobrança que todo historiador ou apreciador do tema faz, pois a compreensão dos fatos é exponencialmente ampliada. São 31 mapas indispensáveis à leitura dessa obra-prima.

O centro do livro contém várias fotos com textos explicativos sobre elas. Essa foi uma jogada inteligente da editora, pois evita a distração da leitura por meio das fotografias embutidas nos textos, algo muito comum hoje em dia e que deve ser evitado quando o livro lido aborda temas históricos.

Também é preciso citar o belo acabamento do livro, capa cartonada com abas internas, papel de alta gramatura e, obviamente, um preço justo por tal qualidade. Selecionei os preços em várias lojas digitais para que não percam a oportunidade de adquirir um livro feito com tanto carinho.

E se você é um apreciador ou curioso sobre o tema da Segunda Guerra Mundial, saiba que o autor também tem um livro de igual qualidade publicado pela editora Leya. Os dois são fontes confiáveis sobre as duas guerras que abalaram o século XX, cujos resultados  têm reflexos até hoje em nossas vidas. Afinal, uma guerra pode terminar, mas seus efeitos podem ecoar pelo resto da história humana.

Detalhes técnicos.

  • Capa cartonada.
  • Subtítulo: Os 1590 dias que transformaram o mundo.
  • Número de páginas: 832
  • Publisher:  House of the Word; Edition: 1st (August 7, 2017)
  • Language:  English
  • ISBN-10:  854410603X
  • ISBN-13:  978-8544106037
  • Product Dimensions:  23 x 15.6 x 4.2 cm
  • Translation: Francisco Paiva Boléo

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