A Inquisição Não Acabou: Tortura só é tortura quando alguém diz que é tortura?

Nada é mais esclarecedor do que conhecer a história, mesmo que ela nos revele coisas que não queríamos saber, embora seja muito importante não termos uma confiança cega em algo.

A história da Inquisição da Igreja Católica não é nada agradável, assim como muitos dos dados que o professor Samuel Ramos Lago em seu livro “A Inquisição Não Acabou”. O intuito do livro é mostrar que a inquisição ainda existe, tanto na forma clássica quanto com outras formas.

A obra está dividida em três partes. Na primeira o autor fala da parte histórica, desde a origem da inquisição, relembrando todas aquelas aulas da Idade Média do colégio, melhor ainda, mostrando uma história mais completa daquela vista nas salas de aula.

A segunda parte chamada de “Caderno de Fotos”, é apresentado instrumentos de tortura usados na inquisição com uma pequena explicação da forma como era usado, as imagens são de exposição de museu de cera, visitado pelo próprio autor.

A terceira parte é, possivelmente, a mais chocante, porque fala como essa inquisição, que pensamos ser tão distante de nós, ainda vive nos dias atuais. É muito duro saber o que nossos antepassados passaram e fizeram, mas é pior ainda saber que isso não foi erradicado.

Como é que algo tão “arcaico” ainda é empregado? Ou melhor, como é que isso ainda é aceito?

Essa é a grande questão do livro, em especial na terceira parte. São ações que tanto podem ser mais secretas quanto não são flagrantemente inquisitórias, como a perseguição religiosa que faz pessoas se deslocarem de seu país, é o eterno machismo, que provoca desde a desigualdade entre gênero até crimes contra as mulheres, dentre outras coisas “normais” do dia a dia.

Dentre tantos fatos apresentados dois chamaram mais minha atenção, a situação carcerária e um caso de hospital psiquiátrico, ambos no Brasil. O primeiro não era uma novidade para mim, o interessante foi ver a comparação entre uma pintura que representava uma masmorra (um dos tipos de tortura) e uma foto de um presídio brasileiro, parecia ser exatamente a mesma coisa, como se a pintura tivesse sido inspirada pelo presídio.

A segunda é chocante, é história real de um manicômio que funcionava na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, entre os anos de 1903 e 1980. Este “hospital” ficou conhecido pelo maior genocídio em massa entre as décadas de 1960 e 1980, saldo maior do que o da Ditadura Civil Militar. São apresentados duas reportagens falando sobre as torturas que ocorreram lá, coisas dignas da Idade Média.

Depois disso tem quatro páginas com imagens do manicômio, mas, só pela descrição do “tratamento” de lá, não consegui ver as imagens!!!!!

Tem outras histórias interessantes de se conhecer, questionamentos que precisamos fazer para deixar de achar normal coisas desumanas.

É impossível não falar de religiosidade quando se fala da Inquisição, uma sombra da Igreja Católica, mas o autor não deixa restrito para o catolicismo, aponta que outras religiões fazem isso. Exatamente por isso o leitor precisa ter uma mente aberta para ler, saber que religiosidade não explica atrocidades e que é preciso ser consciente sobre o passado de cada religião para não ter uma fé cega.

Logo no início do livro o autor deixa claro que é agnóstico, por isso a linguagem apresentada parece de alguém de fora. Quando alguém diz que agnóstico ou ateu já se presume que a pessoa vai se desfazer de Deus, ou qualquer ser superior respeitado por uma religião.

Samuel Ramos sai desse estereotipo, ele não desmente a existência de um Deus, mas sim critica como a sociedade religiosa, qualquer que seja a religião, exige a manifestação da fé. Ele afirma ser contrário ao costume do interior nordestino de “rezar para chover”, rezar não traria água para a chuva, um mecanismo de irrigação sim.

Um pouco mais sobre o autor: Samuel Ramos Lago é professor, educador e biólogo, nasceu em 8 de maio de 1941, em Lins, Estado de São Paulo. Tem um histórico de vida que dispensa apresentações: quarenta anos consagrados ao ensino e à criação de obras didáticas que, pelo seu pioneirismo e concepção inovadora, abriram novas perspectivas pedagógicas não só no ensino de Ciências e Biologia como em outras áreas, Ama a educação. Milhares de alunos passaram por suas mãos provenientes do Ensino Fundamental, cursinhos pré-vestibulares e mesmo da Pontifícia Universidade Católica – PUC – onde lecionou por 10 anos. Cerca de 30 milhões de alunos estudaram nos livros que escreveu e/ou foram editados por ele, hoje mais de 50 livros.

Esta colunista que vos fala é católica, filha e neta de católicas fervorosas, cresceu ouvindo “reze para seu anjo da guarda e que vai dá certo”. Hoje consigo ponderar essas duas visões e acreditar num meio termo, rezar é importante para quem tem fé, mas também preciso correr atrás para realizar o que sonha.

Enfim, gostei muito da forma como a religiosidade foi abordada, sem desrespeitar, mas mostrando um pensamento contrário.

Antes de terminar preciso falar do encarte. É um livro para ser apreciado, não é simples, nem para ser carregado, é enorme, tem ilustrações lindas, pequenos memes com piadinhas pontuais e fotos impactantes.

Recomendo tanto para quem gosta de história e, em especial, para quem gosta de questionar.

Beijinhos e até mais

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