Homem comum, de Philip Roth, é um romance sobre a morte

Este romance é sobre a morte. Iniciamos a leitura presenciando um enterro. Conforme vamos lendo, sabemos que o enterro é do protagonista dessa história. “Homem comum”, do autor americano Philip Roth, narra a vida de um homem americano comum. Assim como a sua vida, quantos homens não têm uma história parecida? Comum? O romance não é linear, e após a cena em que os familiares estão enterrando o nosso protagonista, voltamos ao passado e descobrimos como foi a sua infância. Da sua infância até o homem que ele se tornara, das suas tentativas fracassadas de estabelecer uma família, dos seus erros grosseiros que o tornava uma pessoa fácil de ser odiada, pois traíra a todos aqueles a quem ele amava. Todos, menos a sua família. Bem, até a sua família. Seu irmão, seu primeiro amor – como próprio descrevera –, a sua primeira admiração, Howie, era um homem bastante presente, saudável, e sempre disposto a ajudar. Mas quando um homem fica doente, passa por várias intervenções cirúrgicas em seu corpo, começa a invejar aqueles que são saudáveis. E é isto o que ele acaba fazendo em relação ao seu irmão. Inveja-o.

Do cemitério judeu, voltamos para o período de infância-amadurecimento-família-carreira-profissional-decadência. A narração é em terceira pessoa, e é como se o próprio protagonista estivesse contando a sua história mesmo depois de morto, e lembrando-se dos erros, acertos, daquilo que ele mais temia ser e que acabou sendo. Vemos a solidão desse homem comum. O quanto ele se sentia só em sua velhice. Como acabara daquele jeito? A solidão também é um dos temas que permeiam esse romance. Solidão que machuca, ensina, deixa marcas. Mas talvez o fato de viver só seja uma consequência das suas atitudes egoístas do passado. Casou três vezes. Arruinara suas famílias. Seu ponto fraco eram as mulheres. Sempre atrás de sexo, perdeu aquilo que mais se lhe era caro. Seus dois primeiros filhos o odiavam. Suas ex-esposas, também. Só tinha ao seu lado a doce Nancy, que também abandonara. Pensando o quanto a filha era compreensiva, amável, sempre disposta a esquecer de si mesma para amar os outros, seu coração doía. Como pôde abandona-la? Esse e tantos outros erros lhe pesavam agora em sua velhice. Outro tema bastante presente. A velhice.

Lamentava-se sobre como seu corpo estava em decadência. Não era mais forte, não aguentava mais nadar como antigamente. Perdera o seu charme, aquilo que fazia com que as mulheres se encantassem por ele. Era um velho. Estava só, doente. Pensava na morte. Nas doenças que golpeiam as pessoas e tudo aquilo que elas possuem. O quanto a velhice é uma batalha. Sangrenta. Muitos não suportavam lutar e tirava a própria vida. Outros suportavam a dor com otimismo, esperando o grande e derradeiro dia chegar. E ele tinha medo. Medo do que viria, ou o que não viria com a morte. Por que as pessoas morrem? Sonhos, projetos, orgulho, a morte não respeita nada. Chega para todos, e esse dia é fatal. Não tem como fugir. Mesmo os mais fortes não têm como escapar dela. E o seu dia estava chegando. Como lidar com isso? Morreria só? Será que a sua vida acabaria assim, na solidão? Poderia ter a casa cheia com os filhos, netos, ter uma esposa para cuidar dele. Poderia, mas ele arruinou tudo. Era um homem horrível, chegara à conclusão. E o que fazer? O passado não pode mudar. Tentou se reconciliar com os dois filhos do primeiro casamento, mas eles o odiavam. O que fizera com eles e com a sua mãe não merecia perdão. E ao refletir sobre isso, ele chega à conclusão de que não há mais nada a fazer. Só pode contar com a sua querida Nancy e com o seu irmão Howie. Mas não quer incomodar, sente que a solidão é a sua única companhia. É difícil acompanhar a história desse homem, pois ficamos refletindo sobre o que estamos fazendo com a nossa vida. Ainda somos jovens. Será que o orgulho poderia nos cegar ao ponto de pensar que nunca iríamos encarar o dia da nossa morte? É uma boa reflexão. Do que adiantaria ganhar prêmios publicitários, conquistar mulheres belas, ter uma vida bem sucedida se no fim, na velhice, viveremos sós? Não tão só, pois a nossa consciência costuma nos afligir. Ela nos julga. E acabar os dias com a consciência pesada é algo terrível.

A última cena é no mesmo cemitério. Ali o homem comum encontra tantos outros homens comuns, pessoas comuns. Chora a morte de seus pais. E avistando uma cova sendo aberta, aproxima-se do homem e pergunta como é o seu trabalho. Esse diálogo é incrível. Não sabemos o quanto é laborioso cavar uma cova, deixar ela funda, bem lisinha, para que a família não veja tanta sujeira e para que o morto não fique “incomodado”. Depois de escutar o homem que trabalha no cemitério cavando o lugar onde muitas pessoas permaneceriam pela última vez, ele percebe que está pronto. “Deixou de ser, libertou-se do ser sem sequer se dar conta disso. Tal como ele temia desde o início.”


Companhia das Letras, 136 pgs, R$42,90

★★★★

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