Jogador nº 1: os anos 80 estão de volta, mas com a tecnologia do século XXI.

Vamos aos fatos antes de realmente iniciar a análise de Jogador nº 1: o filme é baseado no livro de Ernst Cline, não é uma reprodução fiel. Digo isto por dois motivos. O primeiro é que as pessoas que leram o livro irão estranhar mudanças feitas no roteiro. O segundo é que essas mudanças dão a sensação de que algo falta. Porém é válido frisar que esse filme é um dos melhores que já vi, mesmo com essas alterações e faltas, e eu explicarei tudo para que tal afirmação seja comprovada.

A História.

Essa crítica será feita com base no filme e no livro. Logo, spoilers serão inevitáveis. Caso você tenha lido a obra de Ernst Cline, nada do que estará escrito aqui será novidade. Do contrário, recomendo que ao menos veja o filme antes. Alertas feitos, vamos prosseguir com a crítica.

A história de Jogador nº 1 mostra um futuro distópico, onde a vida social se resume à conexão com o Oasis, um programa de realidade virtual que dá a nítida sensação de se estar vivendo mesmo nesse mundo alternativo.

Nesse contexto somos apresentados a Wade Watts (Tye Sheridan), um jovem órfão que vive com sua tia e o namorado dela. Wade é um ninguém no mundo real, mas no mundo virtual ele se transforma em Parzival, um dos caçadores de easter egg. Junto com seu amigo Aech (Lena Waithe), Parzival busca pelas chaves de Anorak, o pseudônimo do criador do Oasis, James Halliday (Mark Rylance). Halliday que era a personificação do estereótipo do nerd: antissocial, tímido e inteligentíssimo.

O Oasis se tornou um universo mais palpável que a realidade, uma fuga para a vida complicada e segregadora existente em 2045. Wade é um dos moradores das “pilhas”, um emaranhado de contêineres empilhados, uma espécie de favela futurista. Diante dessa caótica realidade de vida, só o game Oasis serve como “descanso” da tristeza e pobreza existentes nas pilhas.

Nesse ínterim nós somos apresentados a Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), o chefe da IOI, uma corporação que quer deter o poder de ser o dono do Oasis.

Entre cenas de ação extrema e passagens rápidas sobre a vida no mundo real, encontramos mais três integrantes do que será conhecido como o grupo dos Cinco: Art3mis (Olivia Cooke), Daito e Sho. Unidos a Parzival e Aech, eles serão a linha de frente no combate à corporação IOI. E que vença o melhor!

Realidade x Mundo Virtual.

Esse é o ponto alto do filme. As cenas no mundo real são quase sempre atreladas ao virtual. Como já dito, o Oasis se tornou a forma mais comum de socialização, principalmente para as classes menos favorecidas.

Mas um ponto muito interessante está na elaboração do mundo virtual. Apesar de sabermos não ser algo real, no filme isso se transforma em algo muito mais interessante que a realidade. A criação do Oasis está tão perfeita que em muitos momentos nós esquecemos se tratar de computação gráfica.

Dá para compreender os motivos para que tantos se sintam atraídos pelo Oasis: o lugar é um sonho e uma rota de escape para as tensões do cotidiano. Também compreendemos melhor que o Oasis não é só um entretenimento para gamers; na verdade, ele é o maior empreendimento financeiro do mundo, uma verdadeira fonte de riqueza e poder. Então, a caçada aos easter egg é, na verdade, a caça ao meio trilhão de dólares.

Além de perfeito na concepção e na realização das cenas, o Oasis é a maior agregação de personagens da cultura pop já vista. Por motivos de pagamento de direitos autorais e outros entraves técnicos, muitos dos personagens do livro foram substituídos por outros. Mas o que é mostrado é o suficiente para que fiquemos de queixo caído.

Referências.

A filmagem tem o toque de midas de Steven Spielberg, porém com a genialidade dos primeiros filmes dele.  As citações de filmes, os personagens que surgem e as referências aos ídolos da cultura pop (até Michael Jackson está nessa lista) são tantos que nos levam a querer ver novamente o filme para pegar tudo. Ou aguardaremos ansiosos o Blu-ray para pausar mil vezes as cenas.

Vilão.

Nolan Sorrento é a personificação do narcisista criado para ser um lord inglês. Seu jeito pomposo e o descaso pelos funcionários o transformam em objeto de asco quando surge na tela.

Ele não tem conhecimento da cultura pop, odeia o que faz e só quer ser o detentor do Oasis. Para isso, ele será capaz de matar e enganar.

Comparativamente ao livro, Sorrento está mais brando, típico dos vilões dos filmes iniciais de Spielberg. Em função da adaptação do livro pelo roteirista e também pelo pouco tempo de tela para exibir tudo que há no livro, perdemos muito do que dá impacto à trama. O que eu achei extremamente bem feito foi o avatar dele, um Superman parecido com o que vimos no game Injustice.

As presenças de F´Nale (Hannah John-Kamen) e I-Rok (T. J. Miller) garantem o equilíbrio ao vilão, principalmente em situações onde a coragem e a maldade  precisam  ser  destacadas.  F´Nale é uma mulher má e impiedosa, enquanto I-Rok traz um pouco de humor e ganância ao grupo de vilões.


O desenrolar da trama.

O início do longa e o final são muito próximos do que concebeu Cline. Entretanto, o “miolo” do filme tem muitas divergências quando fazemos a comparação com o livro. Nada que prejudique a narrativa, mas me incomodou um pouco, talvez fruto da expectativa de encontrar uma transcrição do livro para a tela, algo que não ocorre.

A criação de uma trama similar para que pudesse ir às telas foi muito inteligente. Jogador nº 1 tem incontáveis referências e seria impossível passar todas para a telona. Eu não duvido se tivermos uma série para vermos tudo que foi descrito.

A presença de Ogden Morrow (Simon Pegg) é bem discreta em todo o longa-metragem, porém imprescindível. Vocês se surpreenderão com ele.

Temas abordados.

Jogador nº 1 não se restringe às referências pop. Há um debate evidente sobre a injusta divisão de riquezas, a desigualdade social. Também encontramos o tema da pessoa que não aceita a si mesma, seja através de Art3mis ou Aech.

As pilhas são uma clara crítica aos guetos e favelas onde pessoas são amontoadas em casas com pouca ou nenhuma estrutura.

A presença da IOI existe para que fique visível o poder de mando, manipulação e falta de caráter de algumas corporações.

Claro que não poderíamos deixar de falar sobre as redes sociais, hoje tão em prática. Cline e Spielberg destacam que as redes podem e devem existir, porém não podemos esquecer de viver a vida real. O trancafiamento em uma “redoma” chamada facebook, instagram, twitter ou Oasis é indício de problemas para se relacionar com outras pessoas, baixa auto-estima e medo de confrontar uma realidade nem sempre agradável.

Crescer como ser humano implica em relacionar, interagir com outras pessoas. Não podemos ficar restritos ao mundo virtual.

Conclusão.

Spielberg voltou aos áureos tempos. Personagens engraçados, a jornada do herói, cenas inesquecíveis e um final “a la Goonies”.

Jogador nº 1 me fez acreditar que é possível assistir um filme somente com computação gráfica. O DeLorean, a reconstrução de cenas tiradas de “O iluminado”, puzzles, enigmas… tudo remete aos saudosos anos 80… com uma roupagem do século XXI.

A trilha sonora é outro achado nesse filme. Só sentimos a falta do grande John Williams. Só o começo com “Jump” indica que a diversão é garantida.

O filme é ideal para quem viveu essa época. Aos que não viveram, provavelmente algumas dúvidas irão surgir. Quanto a isso, duvido que não aparecerá alguém por perto para comentar “essa cena é do filme tal” ou “essa música é da banda…”. Enfim, preparem as pipocas, vejam o longa em Imax preferencialmente e se ainda não leram, podem correr atrás do livro.

A obra cinematográfica é um complemento ao livro de Ernst Cline. Juntos, nossas imaginações ganham vida, cores e curiosidade, pois é impossível não tentar descobrir todos os easter eggs presentes nesse retorno triunfal de Spielberg como diretor.

 

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