Irmãos Dardenne: Quando o silêncio é o som mais alto

São poucos os recursos cinematográficos que podem ser explorados de forma tão subjetiva como de forma explícita quanto o som no cinema. A arte de escolher uma trilha certa para um filme pode fazer toda a diferença no resultado final da cena.

Os filmes dos irmãos Dardenne São interessantes nesse ponto. Talvez por se tratarem sempre de histórias tão íntimas e verossímeis, os diretores belgas optam por não utilizar trilha sonora musical que não alguma música que esteja realmente tocando no mundo do filme.

Em seus dois últimos filmes, Dois Dias, Uma Noite e A Garota Desconhecida, os irmãos Dardenne não fogem de sua temática comum: uma história simples sobre algum perrengue que o protagonista está vivendo e que pode ser, se o filme já não o fizer por você, relacionado com alguma questão social momentânea de um país ou até mesmo de nós, seres humanos.

Colocando dessa forma, parece que essa “temática comum” dos Dardenne é um sketch que pode ser aplicado a qualquer filme ou qualquer história que você já tenha conhecido. A exceção, no caso dos diretores belgas, é a forma crua como eles tratam seus personagens e o jeito que dirigem e editam seus filmes de forma a não desviar a atenção do espectador tanto para o fato de que estamos vendo um filme, mas sim mais para a questão de que aquele é um retrato de uma realidade que pode existir ao lado da sua casa.

Não acredito que seja errado ou menos interessante filmes que nos lembram que estamos assistindo filmes, seja através de uma situação inimaginável (Ethan Hunt pendurado para fora de um avião militar em MI:4) ou manipulando propositalmente o teor dramático da história com músicas (praticamente qualquer cena de Jurassic Park). Tarantino mesmo é um diretor que parece adorar nos lembrar constantemente quando conta uma história que estamos assistindo um filme. Em The Hateful Eight, a narração na virada do segundo para o terceiro ato, logo após o intervalo não exibido em cinemas comercias, parece querer nos colocar de volta ao papel de espectadores, logo antes de um massacre que pode (e foi) interpretado como misógino, sádico e exagerado, e nos lembrar que estamos assistindo um filme.

Mas apesar de todas essas vantagens, é interessante notar como a decisão dos irmãos Dardenne funciona muito bem para eles. Em A Garota Desconhecida, por exemplo, a ausência da trilha sonora musical do filme faz com que o tom de voz dos atores seja o único norte para saber se um momento é mais tenso ou mais calmo.

A Garota Desconhecida é um filme bem monótono e genial nesse quesito. Há uma cena, em específico e falando aqui sem spoilers, que um personagem coadjuvante está conversando com a Jenny, personagem interpretado por Adèle Haenel. A conversa entre os dois começa de forma bem monótona, sem flexões vocais agressivas até se transformar, no auge da cena, em uma discussão a puro pulmões. É notável o quanto essa cena não seria a mesma coisa se tivesse uma trilha sonora para desenhar o drama que está acontecendo entre os dois personagens. E além disso, quando o tom de voz de um desses personagens aumenta, o espectador sente a pressão e a descarga emocional que a discussão está transmitindo para quem está envolvida nela.

São poucos os filmes que enxergam oportunidade na ausência de algum recurso cinematográfico comum, como cores, diálogos, ou, nesse caso, trilhas sonoras. E os irmãos Dardenne tornam uma de suas assinaturas essa forma de nos manipular utilizando nossas próprias expectativas, aquela de quando esperamos que um filme desenhe todo o teor dramático de uma cena para então percebermos, já no meio da história que: Espera, dessa forma também funciona.

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