Desejo de Matar: review dos filmes de 1974 e 2018.

Desejo de Matar é uma franquia que se tornou sucesso nos anos 70 e 80. Estrelada por Charles Bronson, um dos mais “brucutus” do cinema ao lado de Clint Eastwood, Arnold Schwarzenegger, Chuck Norris e outros, a série ganhou destaque por ser uma resposta aos apelos da época, principalmente na sociedade estadunidense que vivia sob a pressão de guerras e da violência urbana.

O primeiro Desejo de Matar (Death Wish) é uma obra que mostra a jornada de um arquiteto cuja tragédia o remete ao seu lado mais sombrio. De um pacato cidadão ele se transforma gradualmente em um justiceiro solitário.

A trama se resume à busca por vingança, mas com um ponto que é comum aos dois filmes: o aumento do desejo de ver criminosos mortos.

ATENÇÃO! Este post tem spoilers dos dois filmes. Logo, ao prosseguir sem ter visto as obras, faça-o por sua conta e risco.

No filme de 1974, Bronson interpreta o arquiteto Paul Kersey. Kersey é um pacato cidadão cuja tranquilidade é brutalmente interrompida quando três meliantes invadem sua casa. Essa invasão resulta na perda da esposa dele, Joana (Hope Lange), como também na destruição da sanidade de sua filha, a jovem Carol (Kathleen Tolan). Diante do gravíssimo quadro, onde tem que aprender a conviver com a perda da mulher e o estado doentio da filha, Paul começa a questionar a eficiência da polícia para capturar os assassinos e estupradores que destruíram sua família.

Desejo de Matar apresenta um ponto muito interessante que é a “predestinação”, fatos que põem Paul diante de uma arma e, consequentemente, diante de indivíduos que praticam crimes. Ele começa seus ataques aos criminosos com uma arma improvisada com meias e moedas, quase uma funda. Posteriormente a arma de fogo é posta em cena, gerando uma onda de mortes que levam os jornais e a polícia a nomearem Paul como O Vingador.

Aos poucos vemos uma metamorfose. De um homem que buscava a vingança e a obteve (ainda que agindo como principiante) até o indivíduo que usa a si mesmo como isca para bandidos. Essa é a trajetória que o longa-metragem apresenta: a jornada de um homem de bem que se transforma em um justiceiro impiedoso.

Para complicar todo o quadro apresentado, a história do Vingador acaba por inspirar outros a se defenderem. O que é contestado nesse contexto é o preparo para essa “justiça com as próprias mãos” por parte dos cidadãos comuns. Cabe relembrar que Paul Kersey é um veterano da Guerra da Coreia, um exímio atirador.

Enquanto isso, o detetive Frank Ochoa (Vincent Gardenia) lidera uma força-tarefa que busca prender esse vigilante. Uma das ações de Paul deixa provas que levam os investigadores a diminuir drasticamente o número de suspeitos e, consequentemente, chegar mais próximo de Kersey. É nesse ponto que o longa mostra algo muito comum nos dias de hoje: o justiceiro acompanha pela TV todos os fatos noticiados e, consequentemente, tem ciência quase total dos avanços das investigações.


O decorrer do filme mostra que há interesses no fim das ações do Vingador em Nova Iorque, mas isso não implica em querer sua morte. De modo diplomático, Paul encerra sua carreira na cidade, o que não implica no fim de sua jornada de vingança.

Desejo de Matar – 2018.

Um remake com pequenas alterações em relação ao filme original. No papel de Paul Kersey temos Bruce Willis, agora um médico de prestígio que convive com a esposa Lucy (Elisabeth Shue) e a filha Jordan (Camila Morrone).

Tal como o protagonista da obra de 1974, Paul também sofre por uma ataque à família, onde a esposa morre e a filha fica hospitalizada em estado grave. Há elementos bem diferentes do longa original como a situação de saúde da filha, a perícia de tiro do personagem interpretado por Charles Bronson em detrimento da inexperiência do que é feito por Bruce Willis, os recursos dos investigadores. Em contrapartida, a mesma discussão sobre qual seria o papel de um Justiceiro diante de uma sociedade corrompida pela violência é algo que permeia toda a trama nos dois longas.

Por que não fazer um remake 100% fiel?

Algumas pessoas questionaram a pertinência de uma obra baseada em Desejo de Matar que não seguiu à risca aquilo feito em 74. A resposta é simples: o original é um clássico, mesmo quando visto nos tempos de hoje. As limitações tecnológicas são suplantadas pelas cenas brutas, por preconceitos comuns à época e pelo registro de uma década violenta.

Seria simples seguir a receita dada pelo longa-metragem original, porém contar a mesma história perde um pouco do impacto quando reproduzida integralmente. É preciso inserir novos itens e fatores para dar credibilidade ao filme. Copiar certamente teria sido uma péssima ideia e levaria essa nova versão de Death Wish à falência.

Realidade.

Fazer um filme baseado em outro requer inteligência. Como já disse, a cópia exata pode ser uma estratégia ruim, principalmente por causa dos fãs puritanos.

Refazer a trajetória de Paul Kersey exigiu bom senso por parte da direção e roteiro. Exemplos disso estão explícitos na preocupação de Paul com possíveis testemunhas que podem filmar (reflexo dos tempos atuais onde todos têm um smartphone).

Comparativamente, o Paul de Bronson é um homem de paz que já havia passado por uma guerra, enquanto a versão de Bruce Willis não tem tanto preparo para o uso de armas. A versão de 1974 tem um rápido progresso como atirador, enquanto essa nova destaca um cara que evolui lentamente, porém de forma eficiente, no caminho do pistoleiro (sem fazer referência ao livro de Stephen King ).

Eu não aconselho que façam comparações. Cada um dos personagens está bem inserido no contexto de suas épocas. Bronson não se preocupa com fotografias e sempre anda com a face exposta. Willis, por sua vez, se vale de uma moletom com capuz, artifício que o livra de ser descrito com exatidão por testemunhas ou ter sua face estampada em uma foto feita por um transeunte qualquer. Sinal dos tempos…

Mas o que fica claro é que Eli Roth dirigiu esse filme com consciência das realidades dos grandes centros urbanos. Infelizmente somos reféns da violência urbana. Nós nos escondemos, blindamos carros, evitamos andar à noite, não andamos com dinheiro e bens caros. Essa é a situação de quase todas as metrópoles do mundo. Então, quando Paul sai de seu casulo e se transforma em um matador quase compulsivo, ele assume a postura de bandidos comuns aos dias atuais: a noite é sua aliada, ele seleciona algumas vítimas e, diferentemente do filme original, os responsáveis pela morte de sua mulher são caçados.

Bronson ganha a alcunha de O Vingador. Bruce recebe o apelido de Anjo da Morte. Ambos dividem opiniões e isso fica bem expresso em cada filme. É interessante comparar o uso da TV e do jornal impresso na época do primeiro Desejo de Matar, enquanto essa adaptação se vale de redes sociais, internet e programas sensacionalistas.

Interpretações.

Gostei das interpretações de boa parte do elenco. Eli Roth teve ao seu dispor um ótimo elenco e soube dirigir bem os talentos de Vincent D’Onofrio (o irmão de Paul, Frank Kersey), Dean Norris (Detetive Rains), Elisabeth Shue (a esposa de Kersey, Lucy), além da quase novata Camila Morrone. Só para citar, D´Onofrio esteve recentemente na série Demolidor, onde interpretou o Rei do Crime; Dean Norris foi o detetive cunhado de Walter White em Breaking Bad; Elisabeth Shue se destacou em A Guerra dos Sexos como Priscilla Riggs. Todos mostraram talento para apoiar Willis nessa empreitada para trazer Desejo de Matar para os tempos atuais.

Não posso deixar de citar os bons efeitos e a trilha sonora que dão corpo à história.

O fim?

Desejo de Matar foi uma franquia de grande sucesso. Charles Bronson estrelou cinco filmes e entrou para o Hall da Fama dos grandes justiceiros do cinema. Entretanto, fica a dúvida se Bruce Willis irá trilhar o mesmo caminho. Meu receio é que o filme caia no erro de outras adaptações que copiam tudo de grandes sucessos e acabam perdendo a graça por não trazer inovações. A obra inicial tinha todo um contexto de época para dar certo, incluindo o carisma de Bronson e a aceitação do público a certos gêneros cinematográficos.

Hoje, apesar da grande quantidade de filmes violentos, alguns até com temáticas similares a este, não vejo o porquê de dar continuidade ao longa. Aliás, se compararmos os dois filmes, é fácil perceber que o Paul Kersey de Bronson não tinha mais motivos para continuar na vida pacata. Sua mulher fora assassinada e sua filha enlouquecera. Logo, podemos concluir que sem os alicerces familiares, Kersey poderia seguir em sua senda vingativa. Já a versão de Bruce Willis tem menos motivações, ainda mais se levarmos em conta que a filha poderia descobrir suas ações e até ser vítima de bandidos que poderiam descobrir quem realmente é o Anjo da Morte.

O final de Desejo de Matar (versão atual) tem tudo para – realmente – encerrar aqui e se tornar uma bela homenagem aos seus antecessores, sem que a obrigação financeira de arrecadar dinheiro com sequências o transforme em uma série medíocre e passível de esquecimento.

Curiosidades.

  • O final dos dois filmes apresenta a mesma cena, onde Paul aponta o dedo em forma de arma para delinquentes.
  • A filha de Paul tem nomes diferentes e finais diferentes em cada obra.
  • No final de Desejo de Matar de 1974, Paul se muda para Chicago. O longa de 2018 se passa na cidade de Chicago.
  • Os dois filmes mostram uma certa “anuência” por parte da polícia diante das ações do vigilante.
  • Denzel Washington e Jeff Goldblum fazem participações no longa de 1974.

Mais do NoSet

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *