Crítica: Sobrenatural – A Última Chave | E o desgaste da franquia

Temos um cenário aparentemente bem dividido hoje no gênero de terror: de um lado há as produções independentes (nem todas, mas a maioria), que têm se destacado pelo esforço em renovar as convenções do gênero e investir em narrativas diferentes, como Corrente do Mal, A Bruxa, The Babadook, Ao Cair da Noite, entre outros; do outro há os filmes que seguem firme numa fórmula mais estabelecida e que costuma garantir boas bilheterias. São os que se valem de caminho mais seguro que aposta no convencional para atrair o máximo de pessoas. Quando falamos em convencional, geralmente caímos no que já virou clichê e perdeu impacto pelo uso repetido de elementos que fazem com que todos esses filmes pareçam iguais (e vazios). Só que vez ou outra, aparece algum talento que consegue trazer um bom respiro para o gênero.

Um deles é James Wan, cineasta naturalizado australiano que tem se saído muito bem nos jump scare movies. Para quem não se lembra, foi ele quem dirigiu o primeiro Jogos Mortais da – hoje – longa franquia. Anos depois, vieram Invocação do Mal e Sobrenatural, sendo que este segundo ganha agora o 4º filme da saga (acho que já podemos chamar de saga, não é!?). Infelizmente, os filmes foram decaindo com as sequências e a falta que faz a criatividade da direção de Wan, que só comandou até o 2º, é bastante sentida neste Sobrenatural: A Última Chave, que, embora tenha bons momentos, não consegue sair muito de sustos telegrafados e uma história que cai em soluções bobas.

Se passando antes dos acontecimentos do 1º filme, a trama envolve a protagonista Elise (Lin Shayne), que retorna para sua cidade natal depois que o morador da casa onde passou sua infância, Ted Garza (Kirk Acevedo), pede sua ajuda depois que acontecimentos sinistros começam a ocorrer no local. Contando com a ajuda de seus assistentes, Specs (Leigh Whannell) e Tucker (Angus Sampson), Elise é obrigada a enfrentar a maior ameaça que já encontrou enquanto tem de lidar com traumas que marcaram sua infância.

Partindo de um prólogo promissor, a esperança de que veríamos mais um exemplar do selo Wan de qualidade me animou. A pequena Elise (Ava Kolker) já se mostrava propensa a se comunicar com o mundo dos mortos e a maneira como o filme constrói o início é eficaz tanto parte dramática quanto na parte do suspense. A ideia de colocar a casa praticamente isolada ao lado de uma penitenciária de segurança máxima, apensar de bastante caricatural, acaba funcionando como uma boa desculpa para inserir alguns elementos que ganham tons agourentos, como o fato do pai ser um guarda em uma prisão que abriga condenados à morte  e as implicações da vizinhança, que vêm através das notícias de morte constante que pairam no ar, o que piora ainda mais quando, por exemplo, acontecem picos de energia que reverberam por toda a casa sempre que alguém é executado – aliás, em um uso bem intenso de bons efeitos sonoros que fazem com que todo o ambiente tenha vida própria. Além disso, a introdução se sai bem em despertar nossa simpatia por Elise através de um ótimo trabalho da atriz mirim e de duas sequências assustadoras nos primeiros 15 minutos de filme.

Infelizmente, assim que o filme começa de verdade logo já se percebe que o restante da narrativa terá grandes dificuldades com a questão da inventividade (ou na falta dela) e uma subtrama sentimental envolvendo parte da família de Elise que se mostra terrivelmente brega sempre que dá as caras. A estrutura é bastante similar aos outros filmes e é basicamente a protagonista indo a um local amaldiçoado e descobrindo novas facetas do Além, ambiente já conhecido da personagem. Se o filme tinha se saído bem no início com os traumas envolvendo os pais de Elise, no presente o roteiro de Leigh Whannell (o mesmo que interpreta Specs) se mostra extremamente desajeitado em como balancear situações dramáticas com elementos de surpresa.

E nesse sentido, basicamente tudo que envolve Christian (Bruce Davison) e as filhas, Imogen (Caitlin Gerard) e Melissa (Spencer Locke), vai para um lado tão novelesco e com diálogos ruins que as tentativas de despertar alguma importância com suas histórias soa infrutífera. Já a dupla de assistentes está mais aborrecida do que nunca, principalmente pelo fato do roteiro fazer questão de usá-los como alívio cômico sempre que aparecem (e é sempre mesmo!). Uma ou outra piada acaba funcionando, mas a tentativa de transformar os personagens em nerds adoráveis e exageradamente bem-humorados fica bem deslocada, ainda mais considerando a falta de timing cômico do diretor, que insiste em usar de longa pausas depois de uma piada para implorar o riso do espectador. Em termos de trama, partes que seriam importantes para são subitamente inseridas na história sem qualquer organicidade, como, por exemplo, o fato de Elise não ser a única da família que tem “dons” ou como as regras do Além parecem funcionar de maneira conveniente. Sim, o filme tem até a preocupação em soar coerente se consideramos toda a franquia e como elas se conectam, mas, dentro da lógica do filme, ainda funciona mais como atalhos para necessidade imediata da trama do que como uma unidade mais sólida.

Conduzido por Adam Robitel (A Possessão de Deborah Logan), o filme é o que parece mais genérico de toda a franquia em termos de seus elementos de gênero. Ao invés de se basear na criatividade que Wan exibiu nos primeiros exemplares, o diretor só consegue manter o básico na hora partir para a “ação”. Repleto de sustos que são antecipados basicamente da mesma maneira – trilha desaparecendo, seguido de silêncio e caminhadas no escuro, culminando em um jump scare com barulho alto – a tensão existe unicamente segundos antes de uma descarga de adrenalina (o que chega até a irritar as vezes), ao invés de ser cuidadosamente cultivada para que haja um mínimo atmosfera que justifique nosso investimento como espectador. Aqui ou ali Robitel exibe momentos que surgem interessantes, como o uso de sons que misturam ruídos de máquinas e eletricidade que auxiliam na ambientação, mas, no geral, o terror alcançado acaba só durando os segundos necessários para que você se recupere de um susto.

Exibindo o cansaço da franquia, Sobrenatural: A Última Chave é um esforço em vão em sua maior parte e, mesmo com lampejos, acaba figurando como mais um exemplar de continuações que não conseguem fazer jus aos seus antecessores (que não eram também obras-primas, mas eram bem eficientes). Nesse caso, já estou me acostumando a clamar pela volta de James Wan sempre que vejo um terror que me decepciona, esperando, em contrapartida, que isso não me acostume mal em achar que ele pode ser o único que vem dominando o lado do terror convencional.

Nota:

Trailer

Data de lançamento: 18 de janeiro de 2018 (1h 43min)

Direção: Adam Robitel

Elenco: Lin Shayne, Leigh Whannell, Angus Sampson, Kirk Acevedo, Caitlin Gerard, Spencer Locke, Josh Stewart, Bruce Davison

Sinopse: Situado anos antes dos eventos do primeiro, o filme trará a medium Elise (Lin Shaye) voltando à sua cidade natal para lidar com os eventos assustadores que ocorrem com os moradores da sua antiga casa de infância. Para isso, ela terá que adentrar mais fundo no Distante

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