Crítica: Sacrifício do Cervo Sagrado – Olho por Olho e Coração por Coração

Do diretor e produtor Yorgos Lanthimos, pioneiro da Nova Onda Grega de filmes com o perturbador Dentes Caninos , ele apresenta o melhor da estética cinematográfica pelo país que mais sofreu com a crise econômica de 2008. Orçamento barato, independência de grandes estúdios, roteiro marcado por uma critica social ácida e de humor negro, performances de atores para causar os piores efeitos no público.
A cena de abertura de um coração pulsando em corpo aberto é real. Dará o tom de crueldade visceral a seguir. Colin Farrell, em seu segundo trabalho com o diretor, interpreta Steven Murphy um renomado cirurgião cardiologista com uma esposa oftalmologista Anna (Nicole Kidman) e um casal de filhos, Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic), além de uma bela casa e sucesso no trabalho. Até ter encontros frequentes com Martin (Barry Keoghan) de 16 anos, filho de um paciente falecido por fracasso cirúrgico dele. A relação entre os dois vai bem, onde o jovem fumante passa a visitar a família Murphy, dar caronas de moto para Kim e o cardiologista visita a mãe de Steven (Alicia Silverstone), porém tudo muda quando Martin passa a ser ignorado por suas ligações de celular constante. Bob fica paralítico apesar dos exames médicos atestar nenhuma anomalia. Mas Martin tem a solução: Steven deve sacrificar alguém da família para reparar seus pecados.
O filme apresenta câmera em movimento em vários planos. A panorâmica torna a cena próxima ao palco teatro, não por acaso, o Yorgos tem ampla experiência em direção teatral. Os closes marcam as reações dos atores diante das situações humilhantes e do absurdo dos diálogos, por sinal, o interlocutor não aparece nem pela troca de posição. Quem conduz a conversa terá total atenção do público se houver mudança é para mostrar a reação ou a troca de papel de ativo.
A trilha sonora não veio para auxiliar na tensão permanente no público e assim deixá-lo pronto para o terceiro ato, o suspense padrão de Hollywood, ela é a música que os personagens ouvem ou então serve para conectar com seus estados de espíritos. Por isso, beira ao rock, ao erudito moderno ou um coral de igreja.
Graças ao seu filme de estreia no circuito comercia,l o distópico A Lagosta, Lanthimos ganhou a Palma de Ouro e o Prêmio de Juri no Festival de Cannes. E prossegue na indústria com este terror dramático . Com roteiro compartilhado com Efthymis Filippou, a inspiração foi a última peça trágica escrita pelo dramaturgo Euripedes, Ifigénia em Áulide, na Grécia antiga.
Agamênon, após caçar um cervo na floresta sagrada da deusa Artemis e ter suas tropas impedidas zarpar na batalha contra Troia, precisa sacrificar a sua filha Ifigênia para ter o perdão divino. Centrado no conflito entre Agamenon e Aquiles sobre o destino da jovem antes do início da Ilíada. Não chega a ser spoiler pois o final muda conforme a vontade de quem fizer a peça. Ou Ifigênia é salva de seu destino por um cervo ou aceita se sacrificar.
Ao contrário da peça, a degradação moral acontece conforme a piora do estado de saúde dos membros da família levando todos agirem das piores maneiras. Tal qual os filmes gregos perturbadores que invadiram os festivais e os catálogos de amantes de obras controversas. Esses se sentirão desapontados no segundo ato ao esperar momentos gores ou escatológicos ou um suspense com uma trilha sonora em alto volume no segundo ato, porém o terceiro ato compensará quem ainda não conhece o trabalho diretor ou quem esperar algo próximo de Dentes Caninos. Seja quem for o espectador, ele ficará com o coração na mão.

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