Crítica: Pequeno Segredo (2016)

Baseado em uma história real da família Schürmann, velejadores que percorrem o mundo todo, eles adotam Kat (Goulart), fruto de um casamento entre o neozelandês Robert (Shand) e a brasileira Jeanne (Maria Flor). Paralelamente, conhecemos a dinâmica dele e sua mãe Barbara (Flanagan). O motivo da adoção gira em torno de um “pequeno segredo” que todos compartilham, menos a menina, que a princípio não sabe.

Inicialmente, conhecemos Kat em seus 12 anos. Quando pensei em discorrer sobre sua personagem, lembrei-me de um fato. Em minhas recentes criticas mencionei o “olhar vitimizado” de alguns personagens para evocar certos sentimentos no espectador, e me dei conta de que isto está sendo cada vez mais recorrente em filmes. Não somente no gênero dramático, mas também na comédia e no terror. Neste caso, Kat é diferente, é uma pré-adolescente que, ao contrario das colegas, não se desenvolveu da mesma forma que as outras – por um motivo claro, mas que ninguém sabe – e por isso sofre bullying das colegas, senta-se sozinha no recreio e se socializa pouco.

A questão não é denunciar este problema em si, o qual até poderia ter sido efetivamente a realidade de Kat. Porém, torna-se cansativo, na medida em que este é o mesmo fator empregado para despertar empatia do espectador. Não “um” fator, mas o “único” fator. A sensibilidade pela personagem advém destes tipos de dificuldades e não apesar deles.

Além disso, também verificamos alguns clichês nos diálogos, os quais são vagos, agregaram pouco à narrativa e, ainda, não conferiram uma profundidade maior nos demais personagens. Frases como: “não vou mais fugir”, “todo mundo morre um dia” ou “o que é amor?” podem ser encontradas em exaustão. Ainda, a maioria das narrações explicativas de Kat, Heloisa e Robert poderia ser facilmente removida do filme sem prejudicar a compreensão da história.

Neste contexto, todos os atores esforçam muito em seus papéis, mas não foi possível que eles fossem muito longe. Marcello Anthony, por exemplo, quase ficou esquecido, uma vez que permaneceu mudo durante maior parte de seu tempo em tela e o fato de que Kat tivesse irmãos fora abordada muito tempo depois. A interação da família como um todo foi nada explorada e seria muito melhor se fosse, pois Kat não mudou somente a vida da mãe, ela afetou a todos. Barbara, por sua vez, é a “gringa conservadora” que fica feliz quando sua neta nasce com um aspecto “branco”, e ela não é retratada nada mais do que alguém preconceituosa, metódica, amargurada, e que sempre necessitou de algo ou alguém que dependesse dela para cuidar. Ela é má, ainda quando ela não é má. Assim, apesar da eficaz intenção de denunciar a visão estereotipada brasileira pelo estrangeiro, evidente se torna que a visão dos Schürmann é extremamente tendenciosa pela sua pessoalidade com os eventos, ainda mais visíveis na rivalidade criada com Heloisa e Barbara.

O maior problema, no entanto, é a forma como toda a narrativa é conduzida. Podemos perceber que ela foi elaborada em três histórias independentes, que ocorrem em espaços temporais diferentes (passado-presente) que se alternam.

Em Pequeno Segredo, a metáfora de começar e terminar um filme em flashforward representando, portanto, uma narrativa circular – simbolizando o ciclo da vida – e em seu interior desenvolver três histórias, executadas alternadamente, demonstra habilidade de Gustavo Giani e em alguns casos ele se sai muito bem. Dentre os destaques podemos mencionar o plano focado em uma bolsa de sangue durante uma transfusão que corta e redireciona a câmara para o primeiríssimo plano em Kat. Transições como esta tornam o trabalho muito belo.  Ocorre que, a montagem se perde a partir do segundo ato, assumindo um ritmo muito acelerado, sendo cada vez mais difícil separar a ordem dos eventos. A ausência de mudança na fisionomia dos personagens pelo decurso do tempo acentua o problema, ensejando um esforço muito grande por parte do espectador para a compreensão do que se passa em tela.

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Algo pelo qual este longa deve ser valorizado, no entanto, é pela direção de fotografia.  Imagens, que atuam como símbolos e metáforas, registram momentos impactantes. Em relação ao mar, nos damos conta de que a água, em geral, é um elemento importante, pois também significa um ambiente de refúgio para as dores, de modo a trazer algum tipo de conforto e bem estar, o que podemos ver quando Kat e Jeanne se encontram debaixo d`água, a maneira como a amiga de Kat reage à uma notícia devastadora, ou o fato de que Kat,  dando pequenos chutes ainda dentro da barriga da mãe como reação a um regate de uma baleia, já expressava essa ligação.

Dessa forma, a natureza é bastante ressaltada, apresentada em lindos planos longos e abertos. Os símbolos da borboleta, da fada, assim como outros elementos configuram rimas visuais bastante sutis. O enquadramento de objetos pessoais e fotografias são igualmente discretos, mas tem sua força expressiva.

Este longa brasileiro tem muitos acertos e é um belo filme, porém os graves erros técnicos cometidos comprometem o resultado de uma obra que poderia ser muito mais do que ela é.

Direção: David Schürmann

Roteiro: Heloisa Schürmann, David Schürmann, Victor Atherino e Marcos Bernstein.

Elenco: Marcello Antony, Júlia Lemmertz, Mariana Goulart, Maria Flor, Eroll Shand, Fionnula Flanagan.

Avaliação: 2,0/5,0

Texto originalmente publicado em 03 de novembro de 2016

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