Crítica 2: A Maldição da Casa Winchester | Armas não matam pessoas. Fantasmas matam pessoas (ou não).

E quando já estávamos nos acostumando com a boa onda do terror independente…

Talvez o gênero puro mais difícil de se trabalhar seja ele. São décadas de histórias e dezenas de subdivisões que fomentaram a fonte de inspiração, mas a deixaram repletas de convenções duras de serem subvertidas. Talvez por isso, procurar por um filme que se destaque esteja cada mais próximo da agulha num palheiro, e quando falamos de produções de grandes estúdios, tendem ainda mais para a comparação. Como prova este novo A Maldição da Casa Winchester, não será todo dia que vai aparecer um James Wan para fazer aquele feijão com arroz saboroso. Ao invés disso, abrimos com uma salada de convenções e clichês que deixa um amargo permanente.

A trama é mais uma que pega um caso baseado numa história famosa. Dessa vez, o Dr. Eric Price (Jason Clarke) é um médico viciado em medicamentos contratado pelos acionistas da empresa fabricante das armas Winchester para investigar o comportamento estranho de Sarah Winchester (Helen Mirren), detentora majoritária dos negócios. Convidado por ela a realizar suas sessões no casarão da família, Eric passa a presenciar acontecimentos sobrenaturais envolvendo uma história tenebrosa sobre tragédias passadas e contatos com espíritos ameaçadores.

A despeito do tema nada original, a história parecia promissora, principalmente por seu protagonista. Uma cena inicial nos informa que o Dr. Eric é um cético que afirma que nossa mente é a grande responsável pelas alucinações cuja natureza o homem tende a atribuir ao sobrenatural. A proposta de colocar o protagonista como uma fonte que representa nossa incredulidade quanto ao tema funciona, ainda mais quando o roteiro ensaia um bom começo ao relacionar a dependência do sujeito às suas visões logo que entra na mansão. Será que teremos uma boa história sobre o mistério da própria crença, ou um estudo sobre a personalidade traumática de um homem que teve a mulher morta de forma trágica? A resposta é não, pois o filme logo abandona a proposição e segue um caminho marcado pelo lugar comum; e nem ao menos assim consegue escapar da frigidez de sua narrativa.

Se a expectativa de acompanharmos a fundo os personagens logo é desfeita, sobra a trama, cuja linha de desenvolvimento é traçada da maneira mais frustrante pelo roteiro dos irmãos Michael e Peter Spierig. Grande parte da graça de um filme desses é envolver o espectador numa série de pistas e recompensas que faça com que ele participe ativamente da história junto com seus personagens. Mas o que ocorre é que essa ferramenta básica de todo roteiro sofre pela estrutura repetida e que não dá tempo para que absorvamos informações sem que elas sejam jogadas em seguida por alguém – mais especificamente, Sarah, que é que se encarrega nos contar tudo. Não há real envolvimento, pois se num minuto alguma coisa envolvendo elementos genéricos sobre números poderosos e espíritos arquitetos é inserida na trama, no próximo as explicações são dadas e voltamos à estaca zero do envolvimento emocional.

Aliás, esses elementos tão comuns em filmes de terror jamais se sobressaem positivamente nas mãos dos Spierig. Com uma condução extremamente burocrática, os também diretores devem ter se sentido orgulhosos ao conseguirem reunir a maior quantidade de clichês em uma única obra. Há o velho jogo de câmera com o espelho onde o jumpscare é mais do que telegrafado, o encontrão repentino com alguém num corredor escuro seguido de uma trilha sonora alta (um dos recursos mais pobres do gênero) e a cadeira de balanço que se mexe sozinha. Mas, clichês podem ser bem trabalhados nas mãos de uma ambientação que preza a expectativa (impossível não pensar em James Wan novamente), que é  justamente o que os cineastas parecem incapazes de fazer aqui. Com uma direção de fotografia bastante genérica, a tensão deveria vir dos espaços vazios e das ameaças fora de quadro, mas o rico ambiente da casa jamais é aproveitado, restando apenas os sustos para servirem de fraco alicerce para a trama. Para piorar, alguns efeitos são duvidosos e fazem mais tirar o público do que envolvê-los, além de tornarem o 3º ato um exagero visual dissonante com a proposta.

Se já é complicado embarcar na história por seus deméritos técnicos e narrativos, nosso envolvimento com os personagens se limita a uma rasa superfície vinda do protagonista – e que funciona unicamente quando somos apresentados a ele, com o restante perdendo a graça no decorrer da trama. Helen Mirren está mais canastrona do que nunca e quase a vemos se esforçando para citar diálogos sobre coisas genéricas assustadoras enquanto faz caras e bocas atrás de um véu preto no máximo possível da caricatura. Fora isso, se há um momento no filme que sentimos vontade de rir ao invés de temermos, é porque algo está muito errado, e não posso deixar de lembrar uma cena que envolve um dedo e um buraco (não há nada pornográfico aí, juro).

Chegando ao seu 3º ato já com o “peso” do vazio nas costas, as soluções simplistas ficam ainda mais inofensivas, mesmo que ainda haja uma tentativa de humanizar alguns aspectos misteriosos do filme, em algo que me lembrou o clássico moderno O Sexto Sentido (não na solução do mistério, mas no caráter dramático). Ainda pensei em ceder alguns pontos à tentativa da discussão da culpa sobre os malefícios da indústria armamentista, mas ela acaba ficando simplória por falta de sutileza e a inabilidade de trabalhar com metáforas mais elaboradas.

A Maldição da Casa Winchester engana ao fazer parecer que veremos um bom personagem, uma intrigante jornada e um mundo enigmático, quando na verdade é só mais entre centenas de títulos similares na forma e no conteúdo.

P.S.: Senti uma leve curiosidade em saber se as famílias de Horace Smith e Daniel B.Wesson eram amaldiçoadas…

Nota:

Trailer

Data de Lançamento: 01 de março de 2018 (1h 39min)

Diretor: Michael e Peter Spierig

Elenco: Helen Mirren, Jason Clarke, Sarah Snook, Eamon Farren, Angus Sampson, Tyler Coppin

Sinopse: Em um ponto isolado, a 50 milhas de distância de São Francisco fica a casa mais assombrada do mundo. Construída por Sarah Winchester (interpretada pela ganhadora do Oscar® Helen Mirren), herdeira da fortuna dos Winchester, a casa não conhece seu fim. Construída durante décadas de forma incessante, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, ela tem sete andares de altura e abriga centenas de quartos. Para um estranho, parece um monumento monstruoso que reflete a loucura de uma mulher perturbada. Mas Sarah não está construindo para si, mas sim para sua sobrinha (Sarah Snook) ou para o brilhante Dr. Eric Price (Jason Clarke), que ela convocou para ir a casa. Ela está construindo uma prisão, um asilo para centenas de fantasmas vingativos, e os mais aterrorizantes deles têm o intuito de se estabelecer com os Winchesters.

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