Uma reunião que poderia ter acontecido – “Uma Noite em Miami”

O movimento Black Power surgiu em meados dos anos de 1960 e 1970, nos EUA, impulsionado pelas leis de segregação racial, valorizando o orgulho e os direitos dos negros naquele país.

Dentre grandes nomes desse movimento ou que incentivaram a mudança social que o país (e o mundo) precisava, respeitando as diferenças sociais e raciais, estavam: Malcom X, Muhammad Ali, Jim Brown e Sam Cooke.

Inspirado em alguns eventos reais, Kemp Powers (o mesmo escritor do filme “Soul”) escreveu a peça “Uma Noite em Miami”, em 2016. Agora, em 2021, a peça se transformou em filme, uma produção original da Amazon, disponível em seu streaming, Prime Video.

O longa é dirigido por Regina King, sendo essa o primeiro filme de larga distribuição dela. Ela tem sido conhecida mais como atriz, com trabalhos como “Miss Simpatia”, “Legalmente Loira 2”, “A Nova Cinderela”, além de filmes mais sérios, como “Se a Rua Beale Falasse”, trabalho que lhe garantiu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

“Uma Noite em Miami” já é ganhador de 31 prêmios e ganhou 95 nomeações, tendo sido o primeiro longo dirigido por uma mulher negra a ser selecionado para o Festival de Veneza. Entre as nomeações estão as do SAG e do Globo de Ouro de 2021: Melhor Elenco e Melhor Ator Coadjuvante (Leslie Odom Jr.) para o SAG; Melhor Roteiro Original, Melhor Diretor(a) (Regina King) e Melhor Ator Coadjuvante (Leslie Odom Jr.).

Vamos conhecer a história, então?

Primeiramente … Quem são esses quatro grandes nomes?

– Malcom X, nascido Malcom Little, foi discípulo do fundador da Nação Islã, um movimento mulçumano criado em 1930 e que, anos depois, uniu-se a luta contra a segregação racial. Malcom X tornou-se o melhor orador, mas também o mais polêmico, tendo usado seu poder de oratória para incitar movimentos sociais como As Panteras Negras;

– Muhammad Ali, nascido como Cassius Clay, foi um grande lutador de boxe dos EUA, sendo uma referência no esporte até hoje. Ele se converteu para a Nação Islã, mas na época em que Malcom X se afastou, logo o nome que recebeu foi diferente, escolhido pelo fundador, Elija Muhammad;

– Jim Brown foi um grande jogador de futebol americano na década de 1950/1960, o primeiro negro a integrar a equipe de um time da “primeira divisão” (NFL, no caso). Ele acabou de aposentando dos campos e se tornando ator, assim ele foi um dos primeiros negros a aparecer em filmes de grande circulação. Ainda está vivo, completando 85 anos esse mês (dia 17);

– Sam Cooke foi um grande cantor e empresário da música, sendo conhecido atualmente como “The King of Soul”. Ele não só fez sucesso com sua música como também abriu uma gravadora, a SAR, abrindo espaço para outros artistas negros da época. Sua voz também marcou o movimento em favor dos Direitos Civis.

Aparentemente esses quatro homens se conheciam, fosse por suas convicções, por suas carreiras ou por só conseguirem se hospedarem em lugares específicos. Na época ainda vigoravam as leis de Jin Crow e o famoso Green Book, “guia” dizendo onde negros podiam frequentar (em suma, a face social da segregação). No filme eles teriam se reunido no Hampton House Motel na noite de uma das vitórias mais memoráveis de Muhammad Ali, ainda como o jovem energético Cassius Clay. Ele tinha Malcom X como um guia espiritual, Jim Brown era quem comentava suas lutas e eles tinham proximidade com Sam Cooke.

Na época Malcom X estava sendo pressionado pela Nação Islã por um discurso seu, algo que ameaçava sua permanecia no movimento, tudo dependeria do quanto ele ainda conseguia ser influente. Por isso a conversão de Cassius Clay era tão crucial para ele, o que seria confirmado no dia seguinte a essa vitória. Cassius, Jim e Sam queriam comemorar essa vitória da melhor forma, com uma daquelas festas memoráveis, mas, ao invés disso, aceitaram o convite de Malcom para celebrar em sua “suíte”. A noite não seria de festa, mas sim para refletir o papel de cada um deles no movimento que estava se iniciando.

A partir daí podemos ver Jim Brown pensando em levar a sério a carreira de ator, Cassius Clay tentando ser alguém mais sério, seguindo princípios, Sam Cooke defendendo sua gravadora e sua forma de agir perante os preconceitos que viviam e Malcom X com sérios problemas com a Nação Islã.

As discussões que partiram deles valeriam a forma como cada um seguiria suas vidas e carreiras a partir dali, como encarariam os tais papeis que eles teriam no mundo daquele momento. Tais discussões também nos ajudam a entender melhor o que foi aquele momento, as motivações, os prós e contras, os muitos pensamentos que formavam os movimentos da Nação Islã, Black Power e Panteras Negras. Antes de os mostrar nesse quarto de hotel, podemos ver também momentos cruciais (provavelmente reais) para a reflexão de cada um, as cenas mais marcantes são de Sam Cooke e de Jim Brown. O primeiro foi insultado silenciosamente enquanto se apresentava no Copacabana Palace, mesmo tendo sido escolhido como um dos melhores artistas do ano, com músicas que figuraram como mais ouvidas (top 10 das rádios). O segundo sendo conhecido como um dos maiores atletas do ano, elogiado pelo dono da fazenda e patrão antigo da tia que o criou, mas não podendo entrar na casa principal porque “negros não podem entrar em casa”.

Um total e triste paradoxo, o que grita: você pode me entreter, ganhar títulos por mim, embalar minhas noites com sua voz suave, mas não apareça, não imponha sua imagem aos meus olhos!

Não é meu lugar de fala, nunca fui alvo desse tipo de preconceito, mas dá para sentir a revolta por meio dessas cenas.

Para mostrar essa história com tanto peso histórico, só esse elenco mesmo:

Malcom X foi interpretado por Kingley Bem-Adir, conhecido por séries como “Peaky Blinders”, “Soulmates” e por filmes como “Rei Arthur: A Lenda da Espada” e “Noelle”. A caracterização dele pode ser bem similar a de Malcom X, mas me lembrou muito os trejeitos de Barack Obama … Isso não é negativo, gostei muito de o ver no filme e ainda fiquei o imaginando em um filme biográfico de Obama!

Cassius Clays/Muhammad Ali foi vivido por Eli Goree, conhecido pelas séries “Riverdale” e “The 100” e pelo filme “Race”. Achei interessante a forma como ele representou a mudança de comportamento desse atleta, primeiro vemos um Cassius Clay com toda a energia quase infantil (não atoa foi chamado de bebê gigante por Jim Brown em uma cena), mas depois vemos um sério Muhammad Ali assumindo seu papel social.

Jim Brown é interpretado por Alsi Hodge, conhecido pelas participações em “Friday Night Lights” e “Acerto de Contas”, além de ter estado em “Duro de Matar 3”. Gostei de terem o colocado como o “ponto de segurança” do grupo (não sei se isso é real ou licença poética), o que foi crucial para neutralizar os ânimos de Malcom e Sam, além de fazer Cassius refletir sobre as mudanças que a vida dele teria. Ele nem se converteria ao islã, como Malcom queria, nem condenaria o discurso dele ou as escolhas de outros.

Sam Cooke é vivido por Leslir Odom Jr., o grande Aaron Burr de “Hamilton”, usando sua voz novamente como meio de discussão e ponto focal na história estadunidense. Esse personagem teve o papel de contrapor a rigidez de Malcom X, dinâmica que aconteceu brilhantemente, não atoa o ator está sendo indicado ao SAG e ao Globo de Ouro como Melhor Ator Coadjuvante.

O elenco ainda conta com nomes como Lance Reddick (conhecido pela série “Lost”, usando o mesmo olhar enigmático e ameaçador), Christian Magby, “Joaquina Kalukango (“Lovecraft Country”), Lawrence Gilliard Jr. (“Gangues de Nova York”), Nicolette Robinson (“The Affair”), Michael Imperioli (“Hawaii Five-O”, “Sopranos”), Jeremy Pope (“Hollywood”), dentre outros.

Até mais!

Mais do NoSet