Crítica | O Caso Richard Jewell

São Paulo, 1994, início do ano letivo na capital do estado. A escola Base, uma instituição de ensino infantil localizada no bairro da Aclimação que já começava a ganhar certo nome e respeito até que uma bomba, literalmente, caiu sobre os donos. Algumas mães de alunos começaram a desconfiar do comportamento dos seus filhos e acusaram de bate pronto que os donos da escola, o motorista da kombi e sua mulher realizavam orgias com as crianças abusando sexualmente delas no apartamento dos motoristas. O mundo caiu sobre a escola, as crianças foram levadas ao IML para fazer uma perícia de corpo e delito e os resultados foram inconclusivos, mas mesmo assim o delegado resolveu partir pra acusação, fez mandado de busca e apreensão nas residências dos suspeitos, tendo certeza da culpa deles. Mais uma vez, nada concluído, mas a mães indignadas abriram o caso para a Rede Globo e a imprensa local, sem provas algumas, resolveram concluir o justiçamento, cravando que eles eram sim os culpados.

Com o passar dos meses, trocaram os investigadores do caso, testemunhas começaram a pipocar inocentando os acusados e os acusadores passaram a recuar. Em junho de 1994 os quatro suspeitos foram inocentados, mas os estragos aos envolvidos já estava feito. Um caso em que a mídia e as investigações preliminares bancaram juízes e carrascos acabando com a reputação de pessoas sem provas apenas em troca de matérias e holofotes. Em 1996, nos Estados Unidos, um caso parecido de acusação infundada em que a mídia e o FBI imprudentemente tomaram como verdade, quase condenando um herói inocente à pena capital, é levado as telas por Clint Eastwood no filme O Caso Richard Jewell (Richard Jewell, 2019).

Atlanta, 1996, a cidade vira holofotes no mundo inteiro por sediar as olimpíadas de verão. Fazendo parte das atividades, o Centennial Olympic Park vira palco de shows e atrações. Richard Jewell (Paul Walter Hauser), um rapaz obcecado por leis e pela autoridade se torna voluntário para segurança dos eventos. Uma noite, encontra uma mochila suspeita perto da torre de comando do som dos shows. Ele consegue chamar peritos para tentar desarmar e começa uma evacuação. A bomba explode, provocando uma morte e centenas de feridos leves, mas o ato de coragem de Richard evitou uma tragédia muito pior. Dias depois, estava ainda tentando entender seu status de herói, quando o FBI, na falta de um usual suspeito, começa a acreditar que foi Richard o terrorista que jogou a bomba no local. A acusação somada ao sensacionalismo da mídia o transforma de herói a vilão e sua vida vai para os ares. O único que se dispõe a ajudá-lo é um advogado que conhecia Richard do passado, Watson Bryant (Sam Rockwell). Juntos tentarão provar sua inocência e enfrentar os tubarões da mídia e suas sentenças destruidoras.

O genial e quase nonagenário Clint Eastwood nos mostra que a idade só o faz ficar melhor. Com um roteiro de Billy Ray inspirado no livro American Nigthmate: the Ballad of Richard Jeweel, de Marie Brenner, Clint nos conta a tragédia que se passou na vida de Richard Jewell, que de herói americano foi transformado em terrorista em questão de dias. Clint conta mais uma vez como tinha feito com Sully: o Herói do Rio Hudson (Sully, 2016) a história de como é difícil perpetuar heróis anônimos. Richard Jewell é magistralmente interpretado por Paul Walter Hauser, que dá uma humanidade, às vezes até ingênua ao personagem, um cara obcecado por regras, leis e que sonha em ser policial e vê seu mundo ruir, mas nunca perdendo a pose e o respeito pelos homens da lei. Sam Rockwell está excelente como o advogado Watson, um contraponto explosivo à pasmaceira do acusado, sempre querendo confrontar a mídia canalha e o autoritarismo dos federais. Kathy Bates como a mãe de Richard está excelente também mostrando o drama de uma mãe que sabe que o filho jamais provocaria um atentado, mas se vê impotente tendo sua vida virada de cabeça pra baixo.

Em O Caso Richard Jewell, como qualquer filme de Clint, tudo funciona: detalhes, reconstituições, montagens. Se não é uma obra prima é um grande filme que vem em boa hora pra denunciar abusos de poder e julgamentos precipitados da mídia. Aliás, o filme também é envolto numa polêmica já que mostra a jornalista Kathy Scrugss interpretada por Olivia Wilde, usando de artifícios de sedução para conseguir matérias e muita gente diz que jamais ela fez isso, acusando essas passagens do filme como machista e inverídico.

Polêmicas à parte, O Caso Richard Jewell mostra o quanto uma mídia suja e louca para vender notícias pode elevar as pessoas a pedestais e com apenas uma virada transformar esses mesmos heróis em vilões num piscar de olhos. E como conclusões precipitadas, má investigação por profissionais incapacitados e muito preconceito (está na cara que Richard foi o bode expiatório por ser um cara gordo, que morava com a mãe, amante de armas, arrogante, solteiro, padrões clichês de terroristas pra grande parte da população) podem acabar com a vida de um cidadão comum e desmoronar uma família. Infelizmente, hoje apesar de a mídia clássica não ter mais o poder dos anos 90, as fake news e as redes sociais tomaram para si esse papel de juiz e carrasco criando casos como o da Escola Base e Richard Jewells cada vez mais proliferando preconceitos, jornalismo ruim e propagando mentiras que se tornam verdades. Enfim, um grande filme, pesado, melancólico, mas que nunca nos tira a esperança de a justiça ser feita. Grande Clint!

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