Crítica: Dromedário no Asfalto

Buenas, dessa vez peço licença pra começar essa critica com um termo muito usado aqui no Rio Grande do Sul. Enquanto o “buenas” é lembrado e falado a torto e a direito por aqui, herança herdada ao povo da fronteira do Rio Grande dos castelhanos, começo falando de um local que, fora para o gaúcho que invade esse território entre dezembro e março, é uma região bem esquecida pelo resto do Brasil, falo do litoral gaúcho. O litoral norte daqui praticamente se limita entre a região de Cidreira até Torres, que juntamente com Capão da Canoa e Tramandaí, são as praias mais conhecidas e procuradas pelo povo do sul no verão.

O nosso litoral não tem realmente atrativos que o façam ter reconhecimento nacional mesmo. Temos um imenso mar em linha reta em tom escuro que o faz parecer sujo, ondas violentas e uma temperatura fria na maioria das vezes. Temos uma imensidão de areia, algumas altas dunas (com exceção das áreas urbanas do litoral que acabaram com elas), uma vegetação rasteira e muito vento. Tirando a praia de Torres, que é a na fronteira com Santa Catarina e é a nossa mais bela praia, para baixo essa paisagem vai se dirigindo ao sul e se confirmando como descrito. Mas existe também um litoral pouco explorado que segue Cidreira abaixo e vai até o Uruguai. Esse litoral que passa por Pinhal, segue por Mostardas, Farol da Solidão, São José do Norte e que chega ao Chuí é quase inexplorado pelo gaúcho. Uma imensidão de água, areia, frio e solidão levam até a fronteira com o Uruguai. Essa paisagem quase inóspita, pontuada com muita reflexão, melancolia e solidão é retratada no longa-metragem Dromedário no Asfalto (2014), um road movie intimista de Gilson Vargas, estreando na direção de forma competente.

A trama do filme gira em torno de Pedro, um cara que fica literalmente arrasado com a morte de sua protetora mãe e que resolve, numa viagem quase sem rumo, seguir ao sul do Rio Grande, tomando caronas em boleias de caminhão, carrocerias, garupas de motos, caronas em automóveis; se hospeda em hotéis baratos, dorme na rua e encontra estranhos com o intuito de chegar ao o Uruguai e encontrar e descobrir quem é seu pai, já que sabe apenas que ele vive recluso no país cisplatino.

Dromedário no Asfalto é uma digna e grata estreia de Gilson Vargas na direção. Gilson tem uma ousada empreitada fazendo um filme intimista e extremamente visual, explorando tanto o drama pessoal da busca do personagem em se encontrar com seu passado e consigo mesmo, como pontuar essa aventura usando como paisagem uma região quase inexplorada pelo cinema brasileiro e até gaúcho: litoral sul do Rio Grande do Sul e o litoral norte do Uruguai.

Visualmente o filme é uma experiencia belíssima, a fotografia do craque Bruno Polidoro capta com precisão a região. Desde a imensidão do mar aberto, o sol brilhante e aconchegante do inverno do sul e a chuva constante que passam a sensação de frio e solidão. Uma aula de fotografia. O roteiro do próprio Gilson explora mais o íntimo do personagem, que mais em tom interior guarda para si suas dúvidas e angústias, desde a perda da mãe, ao rumo que pode dar na vida e a busca a um passado que não teve na encarnação do misterioso pai. Marcos Contreras faz bem o papel de Pedro, se o filme não pede muita interpretação, já que a narração em off dos pensamentos dele são a maioria da história, os poucos encontros são bem conduzidos. O encontro com uma bióloga, sua chegada ao Uruguai onde conhece um alemão errante onde os dois e mais outra mulher tentam se comunicar em português, espanhol e inglês, provando que nada que copos de cerveja Patrícia e doses de conhaque não facilitem a comunicação, além de sua aventura narcótica e etílica com dois jovens uruguaios que abusam da pouca grana dele para pirarem pela madrugada.

Às vezes o filme peca um pouco mesmo nessa narração que abusa de clichês e pensamentos chavões, mas tenta nos passar como funciona a cabeça de alguém que busca algo e não sabe bem o que é e está disposto a abdicar de um pouco de sua vida para encontrar isso, tanto na figura material que é a busca do pai quanto na sua ingrata missão de entender a si mesmo.

Dromedário no Asfalto é uma agradável experiência reflexiva e visual, um filme que pode até desagradar aos apressados que querem respostas e ações imediatas ao assistir uma obra, mas a obra é exatamente o contrário disso tudo, na maioria das vezes a busca por algum sentido na existência não requer pressa e sim pode ser conduzida vagarosamente numa longa estrada que pode levar ou não a algum lugar.

Road-movie “Dromedário no Asfalto” está nas plataformas de streaming Sky, Net Now e Vivo Play, o longa foi rodado no Brasil e Uruguai e falado em português, espanhol e bastante “portunõl”, este road-movie evoca através da estrada os caminhos culturais, físicos e, principalmente, afetivos que ligam estes espaços irmãos ao sul da América: o Rio Grande do Sul e o Uruguai. O filme foi realizado com equipe e elenco dos dois países.

“Dromedário no Asfalto” participou do evento Marché du Film Cannes 2015 e de festivais como a VI Semana dos Realizadores, além de vencer na categoria Melhor Fotografia em Longa Metragem no 6º Festival de Cinema de Fronteira/Bagé. O filme marca a estreia do diretor em longas-metragens, que em breve vai lançar “A Colmeia”, título que teve sua première no Brasil no 52º Festival de Brasília e conquistou o prêmio de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro no Festival de Cinema de Zaragoza, na Espanha.

Sinopse: Depois de perder a mãe, Pedro se sente devastado e determinado a conhecer a identidade de seu pai. A única informação que ele tem é que o homem partiu para o Uruguai para viver recluso.

Ficha Técnica:

Direção: Gilson Vargas

Roteiro: Gilson Vargas

Produtoras: Pata Negra

Empresas co-produtoras: Besouro Filmes, Boom Boom, Ponto Cego

Produção: Bruno Polidoro, Gabriela Bervian, Gilson Vargas, Itamony Barros, Luciana Bassegio, Milena Leão e Vicente Moreno

Produção Executiva: Gabriela Bervian, Gilson Vargas, Itamony Barros e Vicente Moreno

Montagem: Vicente Moreno

Dir. de fotografia: Bruno Polidoro

Elenco: Marcos Contreras, Laura Schneider, Vanise Carneiro, Lucia Trentini

Mais do NoSet