Crítica | Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica

Ah, irmãos… Como dizem aquelas frases famosas: são tão diferentes, brigam constantemente por qualquer motivo, mas o sangue que os une é algo tão profundo e real que cria uma amizade única, diferente, que por mais que estejam distantes, os aproxima. O cinema sempre nos presenteou com grandes filmes sobre irmãos. Não tem como não lembrar o clássico Rain Man com os irmãos Charlie Babbit (Tom Cruise) e Raymond Babbit (Dustin Hoffman). Charlie ganancioso querendo a custódia a qualquer custo do irmão autista Ray, mas que mesmo diferentes, acabam criando um improvável laço. Danny De Vitto e Arnold Schwarznegger no filme Irmãos Gêmeos, como os dois curiosos irmãos do título, os Benedict, também nem o tempo e a separação fizeram não se tornar uma dupla cativante. Bom, e o que falar então dos irmãos Luke e Leia Skywalker (Mark Hamill e Carrie Fisher), que cativaram o mundo na franquia Star Wars e provaram que mesmo tendo origens obscuras tinham um senso de união, luta e, com perdão do trocadilho, força para juntos lutarem contra seu próprio genitor e seu Império. Os Goonies, clássico de aventura juvenil dos anos 1980 também nos apresentou dois irmãos que ficaram imortalizados nas telas, Josh Brolin, como Brand Walsh, o irmão mais velho protetor e responsável e Sean Astin, como Mikey Walsh, o sonhador e aventureiro irmão mais novo, e que juntos com uma inesquecível turma, fazem de tudo para salvar o bairro das mãos da especulação imobiliária entrando na aventura de suas vidas. Mais recentemente, uma animação também encantou o mundo, contando a história de duas nobres irmãs, a congelante rainha Elsa e sua irmã, a princesa Anna. A franquia Frozen mostra as duas irmãs enfrentando juntas qualquer perigo, sempre com mensagens edificantes e muita ação, marcando a cultura pop. Em 2020, uma animação da Pixar com a Disney também tem como tema dois irmãos, falo de Dois Irmãos: uma Jornada Fantástica (Onward, 2020), com direção de Dan Scalon, que estreia nas telonas essa semana.

No passado o mundo era muito mais mágico, criaturas fantásticas viviam em constantes aventuras, duelos e desafios. Os seres viviam em constante ação e a magia e os poderes eram combustíveis de provas onde se criavam guerreiros e a coragem era o mote de vida. Mas enfim, com o tempo passando, a magia virou coisa do passado, o mundo mudou, evoluiu e hoje as histórias do passado são apenas histórias. Elfos, centauros, dragões, sereias, fadas e diversas criaturas vivem pacatas vidas na cidade de New Mushroomton. Pequena e suburbana, pouco acontece por lá. A cidade tem como moradores dois irmãos elfos: o alucinado e frenético Ian Lightfoot, e seu irmão mais novo Barley, um elfo sempre cheio de dúvidas, medos e traumas. Os dois vivem com a mãe, pois seu pai morreu quando Ian era pequeno e Barley estava na barriga da mãe. Um dia descobrem um cajado que era do pai e que, se usado com magia, podia dar a chance de os irmãos terem um dia para reverem o seu pai. O componente básico da mágica é uma pedra rara e ela se parte. Ao saber que existem dessas outras escondidas, os dois irmãos largam a sua serena vida e partem juntos para uma aventura única e perigosa, que pode mudar a vida deles para sempre.

Assistindo um filme de animação da Pixar pode-se ter certeza de que não veremos apenas uma mera animação. Suas mensagens tocantes e a facilidade que tem em mexer com a sensibilidade do espectador é mais que um gol de placa do estúdio. Dois Irmãos consegue isso, além das suas belíssimas e sensacionais imagens, entramos juntos na história, torcemos e nos emocionamos. A direção de Dan Scalon e o roteiro a seis mãos, conseguem criar uma bela história familiar, usando um universo extremamente plural. Incrível a junção dessa fauna de criaturas fantásticas convivendo lado a lado. Sobre o roteiro em si o filme demora um pouco para pegar, algumas piadas às vezes não funcionam e a ação prevalece sobre o sofisticado padrão humor da Pixar, mas nada que atrapalhe o principal do filme: uma aventura de autoconhecimento, um verdadeiro road movie que aos poucos vai desenvolvendo as personalidades e aprofundando o relacionamento da dupla de irmãos elfos.

O relacionamento dos irmãos é com certeza o ponto alto do filme. Os dois completamente diferentes, um autoconfiante e corajoso, o outro sensível e temeroso, mas que juntos vivem e sentem falta do pai e a esperança de vê-lo, nem que seja por alguns momentos, mexe com o coração de ambos e dá o combustível que faltava para os dois se entregarem e verem como um depende do outro.

Claro que não faltam aventuras, referências a RPGs, mapas, pontes invisíveis, cajados mágicos, seres mitológicos, tudo misturado a uma van envenenada, fadas motociclistas, perseguições em autoestradas, cavernas, tudo com um padrão técnico de animação absurdamente realista e cada vez melhor se esmerando em detalhes cada vez mais impressionantes. O filme também tem um pouco de referências a filmes oitentistas. Não tem como não lembrar dos Goonies, ou até de um mais esquecido como Uma Noite de Aventuras. E a materialização pela metade do pai dos irmãos devido à falha na magia, e o jeito que eles o carregam, não tem como não lembrar o clássico Um Morto Muito Louco. Vale destacar a presença importante da mãe dos meninos Lauren Lightfoot que cria com muito amor e estímulo seus filhos, além de ter cenas hilárias principalmente na sua frenética perseguição durante a tal jornada.

Dois Irmãos: uma Jornada Fantástica tem tudo para agradar todos os públicos, é um filme moderno, plural, tem uma história clássica de aventura que desafia a enfrentar os medos, buscar uma coragem interior e mistura sentimentos como perdas e saudades, mas principalmente mostra o quanto é importante e real a amizade e união de irmãos, o quanto um depende do outro e por mais que as diferenças podem às vezes parecer tumultuar uma relação, o carinho, o afeto e a cumplicidade quando aparecem as adversidades, a dois, três, quatro enfim, dependendo do tamanho da família é muito mais fácil segurar.

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