Crítica | O Predador (Shane Black, 2018)

Todos sabemos a mística que envolve o cinema dos anos 1980. Nem é preciso, na verdade, ter vivido a época para que captemos o senso de nostalgia cuja veneração parece aumentar a cada obra e cada diretor que hoje finalmente tem a chance de fazer qualquer tipo de tributo à sua infância e adolescência. Um dos estilos mais recorrentes era o filme dos super-machões, protagonizados por brutamontes durões e praticamente invulneráveis às balas, explosões e inimigos caricaturais – filmes que sobreviviam para a diversão em um tempo que aceitava o absurdo sem a necessidade de reconhecer a metalinguagem do próprio gênero. Ainda assim, a ideia para um filme envolvendo um grupo desses “brucutus” selecionados a dedo sendo perseguidos e esfolados um a um era intrigante, já que aproveitava a duradoura influência de Alien – O 8º Passageiro (Ridley Scott, 1979) e adicionava aos personagens típicos do gênero de ação. Mas quem poderia ser capaz disso? Só se fosse um alienígena cuja principal motivação era caçar os melhores espécimes de cada planeta como um esporte. Surgiu, então, O Predador (John McTiernan, 1987), um excelente exemplar que misturava ação, suspense, testosterona e um pouco de horror muito bem filmado e envolvente. Os costumeiros heróis viraram vítimas e agora tinham que fugir de um inimigo superior em quase todos os sentidos.

Um desses era Shane Black, que interpretava o fortão piadista Hawkins, mas que também tem uma carreira sólida como roteirista e promissora como diretor. Entre seus trabalhos está a (minha pessoalmente) adorada franquia Máquina Mortífera (1987 – 1998), Beijos e Tiros (2005) e o subestimado Dois Caras Legais (2016). Pois bem, Black (não Hawkins, infelizmente) retorna como diretor e colaborador no texto – com Dred Dekker – desta nova continuação/reboot que leva o mesmo título no Brasil, O Predador, e se passa no mesmo universo dos dois primeiros filmes. Havia uma desconfiança (por causa da judiação a qual foi submetida a franquia nos os crossovers com Alien) logo seguida de uma renovação de esperança quando os trailers deram a entender que Black colocaria sua veia mais cômica para funcionar em um filme consciente de sua diversão. A boa notícia é que isso realmente acontece, mas no meio de tudo há uma confusão de ideias e uma narrativa bastante amontada e apressada.

A história se passa nos dias atuais, quando o soldado Quinn McKenna (Boyd Holbrook) é interrompido em uma missão quando uma nave extraterreste se acidenta, deixando seu ocupante ferido e parte de sua armadura altamente tecnológica nas mãos do militar. Perseguido por agentes do governo cientes das invasões dos predadores desde 1987 (ano do primeiro filme) e liderados por Will Traeger (Sterling K.Brown), ele envia por correio (wtf!) uma máscara e um bracelete usado pelas criaturas para sua cidade, que acabam sendo entregues em sua residência, onde vivem sua mulher Emily (Yvonne Strahovski) e seu filho Rory (Jacob Tremblay). Enquanto isso, a bióloga, Dr. Casey Brackett (Olivia Munn), é chamada para uma base de pesquisa onde o predador ferido é examinado por cientistas. Quando um sinal é acidentalmente enviado pelo filho de Quinn, ele se liberta do prédio e parte em busca de seus equipamentos. Partindo em um resgate improvisado para salvar a vida do filho, Quinn e um grupo de ex-soldados, formado por Nebraska (Trevante Rhodes), Coyle (Keegan-Michael Key), Lynch (Alfie Allen), Baxley (Thomas Jane) e Nettles (Augusto Aguilera), é a única coisa entre os invasores e as vítimas.

A ameaça do predador era representada com excelência pelo primeiro longa da série por um motivo essencial: o vilão era lentamente apresentado em uma crescente construção de tensão à medida que personagens que julgávamos ser invencíveis eram derrotados com facilidade. Fora isso, a sensação de claustrofobia em torno do personagem de Arnold Schwarzenegger era salientada por uma floresta densa que representava um aliado ao inimigo e a constante sensação de espreita e armadilha a que ele era submetido o tempo todo. Mas aqui a abordagem é outra e não é nenhuma surpresa pela proposta honesta de investir numa narrativa mais aventuresca e descontraída, embora violenta e com seus momentos sombrios que remetem às outras aparições do bicho no cinema. Neste ponto, Black e Dekker acertam em uma história que resgata um pouco da canastrice e frases de efeito que elevam a obra a uma divertida versão da própria franquia. O 1º ato é eficiente em reproduzir um pouco do senso de ameaça, principalmente em boas sequências iniciais, tanto as que envolvem o núcleo do protagonista quanto aquela que se passa no laboratório de pesquisa.

De um lado temos o retorno dos famosos caçadores com presas bucais salientes e dreads ao vento; do outro, personagens agindo com uma dose certa de caricatura e humor, o que acaba criando um conjunto coletivo que diverte – fora que ainda há espaço para referências (orgânicas ou nem sempre) que agradarão os fãs: “get to the chopper!” não poderia faltar e um dos momentos icônicos na famosa frase “você é muito feio” ganham uma nova subversão. É realmente algo que não se esperaria em um filme da franquia, mesmo que alguns deles (aqueles crossovers…) tenham feito rir involuntariamente. Até a violência gráfica é de certa forma “suavizada” pela sensação constante de jocosidade, chegando ao ponto de algumas piadas ultrapassarem a linha ficcional e flertarem com o nonsense. Tudo isso reflete a visão de seu cineasta e sua proposta de resgatar e reinventar ao mesmo tempo.

Já analisando de outro modo, há uma considerável perda individualmente. Aqui fica repetitivo invocar comparações, mas, novamente, observe como a não necessidade de investir diretamente na personalidade do grupo do primeiro longa é beneficiada pela simplicidade, enquanto que aqui o roteiro não consegue se livrar da exposição. Basta notar como sempre que se precisa apresentar um personagem ou explicar alguma nova ideia na trama, recorre-se ao didatismo, geralmente para que enunciem suas cartilhas de personalidade ou expliquem reviravoltas convenientes. Para o bem da graça maior e para se chegar rápido no ponto, eles se apresentam em voz alta como se estivessem em uma sala de aula diante dos colegas e perpassam rapidamente por explicações científicas que nunca tem tempo para ganhar qualquer peso – o que é um ponto mais perdoável que se justifica pelo descompromisso da obra.

Se no início o longa se sai melhor numa proposta mais equilibrada, posteriormente a coisa começa a desandar quando novas informações e deduções forçadas começam a aparecer. O personagem do talentoso Jacob Trembley é mais prejudicado, tendo sua justificativa no filme transformada de ligação emocional com o pai (portanto, com o espectador) para outras mais megalomaníacas (das quais não falarei para evitar spoilers). No grupo dos soldados, o filme até ensaia uma amizade palpável, mas que só funciona com metade deles. Você mal se lembrará de Thomas Jane, cujo personagem só existe para as piores piadas do filme, ou de Allen e Aguilera, que não ganham nada para fazer além de serem potencias vítimas a serem estripadas. Já Holbroock tem um certo carisma e forma uma dupla divertida com Olivia Munn e sua bióloga/heroína com ótima fisicalidade e (ainda bem) longe de uma donzela em perigo. Sterling K.Brown está muito à vontade e seu agente Treager é um pastiche divertido de personagens oitentistas; e os grandes nomes do filme, os predadores, são concebidos o uso de muitos efeitos práticos, e mesmo quando o CGI é indispensável, há um qualidade inegável que torna as criaturas visualmente impressionantes (infelizmente, a outros que só servem como uma recorrente piada sem graça e inverossímil envolvendo bichos de estimação).

Para não dizer que não há coisas boas, Shane Black acerta bastante no quesito ritmo. Sem perder muito tempo, a obra já entra na ação muito antes de sequer terminar o 1º ato e permanece bem dinâmica em seus 108 minutos. Embora não muito inspiradas, há boas sequências de ação e combate corporal, além da novidade de um predador maior e mais letal que os normais (algo que estava nos trailers e na divulgação). Temos um maior vislumbre do universo dos alienígenas, agora com uma ideia mais elaborada sobre sua comunicação, por exemplo, e sobre algumas motivações que ajudam a expandir numa medida contida a “mitologia” em torno deles. Seus códigos morais ficam mais evidentes sem precisar extrapolar para algum exagero que talvez outro roteirista não resistisse, além de terem uma semelhança simbólica com os temas de militarismo, perseguição e dominação. A única exceção (mas considerável) em termos dessa dinâmica é que o 3º ato sofre claramente com uma montagem feita para tentar unir partes da narrativa que tiveram que ser refilmadas depois de uma exibição teste, tornando o desfecho um pouco corrido. Aí o filme tem que apostar em algum impacto emocional e deixar um gancho para futuras continuações.

O resultado é reinício cambaleante e que ainda não se justifica muito (fora o lucro, claro). Como síntese, fica marcada a mão de Shane Black no humor e na abordagem que encara seu universo como um filme dentro da realidade da própria franquia, com seus códigos referenciais e uma lógica que se permite a diversão. Como narrativa, é desequilibrado e sem força o suficiente para despertar as sensações e o peso de vilão já icônico no Cinema, além de passar de conta ao tentar elaborar demais justificativas complexas para questionamentos que não pedia.

Esperaremos pela próxima temporada de caça (sem os Aliens, por favor).

Nota: 

Trailer

Data de lançamento: 13 de setembro de 2018 (1h 48min)

Direção: Shane Black

Elenco: Boyd Holdbrook, Trevante Rhodes, Jacob Tremblay, Keegan-Michael Key, Olivia Munn, Sterling K.Brown, Thomas Jane, Alfie Allen, Augusto Aguilera, Jake Bussey, Yvonne Strahovski, Brian A.Prince

Sinopse: Dos confins longínquos do espaço até as ruas de bairros residenciais, a caçada chega a todos os lugares na reinvenção explosiva assinada por Shane Black, da série Predador. Agora os mais letais caçadores do universo estão mais fortes, mais inteligentes e mais mortais do que antes, tendo se aperfeiçoado com o DNA de outras espécies. Quando um jovem acidentalmente causa seu retorno à Terra, apenas uma equipe improvável de ex-soldados e um professor de ciências amargurado podem evitar o extermínio da raça humana.

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