Crítica – Ghost in the Shell: do mangá ao filme.

Ghost in the Shell é um sucesso em duas mídias distintas: mangá (sua origem) e em anime (um já esperado desdobramento para todo mangá que faça sucesso). Em minha humilde opinião o anime sintetizou e deu mais sobriedade ao material original do mangá e, aparentemente, os produtores do longa-metragem A Vigilante do Amanhã pensaram o mesmo, pois beberam em muitas fontes do anime.
Antes de prosseguirmos, que tal uma breve olhar no teaser trailer do filme.

P.S.: recomendo não assistirem aos trailers e aos cinco minutos divulgados, isso enfraquece demais o impacto inicial da obra.

Afinal, o que é Ghost in the Shell?

Uma obra que se desdobrou desde sua versão original. Publicada em 1989, escrita e desenhada por Masamune Shirow, Ghost in the é uma série cyberpunk situada no ano de 2029 e retrata, basicamente, as ações de um grupo de elite chamado Seção 9, cuja função primordial é evitar o cyberterrorismo. Entre seus integrantes estão a Major Motoko Kusanagi, Batou, Togusa e outros. Suas habilidades são fundamentais para elucidar e deter criminosos que se valem da tecnologia ultra-avançada dessa era futura.
Aliás, um dos pontos altos da trama está na “previsão” de um mundo onde as próteses evoluirão ao ponto de termos um corpo inteiro substituído. O melhor exemplo disso é a própria Motoko, cujo cérebro foi implantado em um corpo cibernético que imita à perfeição o corpo humano.

O mangá é um aclamado sucesso e teve sequência em Ghost in the Shell 2: Man-Machine InterfaceO mangá oscila entre ação, humor e algumas cenas com conteúdo sexual que geraram polêmica.

Em 1995, sob a direção de Mamoru Oshii, uma adaptação é feita e recebe a aclamação do público e da crítica. Apesar de não ser uma adaptação 100% fiel ao material original, o longa-metragem garantiu outras continuações. Uma comprovação do sucesso da trama está na criação de um game e romances literários baseados na obra original, além de séries.

Porém uma pergunta ainda não foi respondida em sua totalidade: o que é Ghost in the Shell?

Uma obra cyberpunk com um roteiro voltado à crítica social, complexa e corajosa, principalmente por questionar conceitos como beleza, vaidade, a venda de sonhos, a podridão política e, ainda, o que define um ser humano.

O live action era realmente necessário?

Sim. Como já disse antes, o advento da tecnologia aplicada no cinema é uma ferramenta que está tirando do papel ou dos animes/animações histórias inteiras que gostaríamos de ver com pessoas de verdade. A decisão de adaptar Ghost in the Shell com atores (e muita computação gráfica) foi extremamente corajosa, pois as reações dos fãs mais radicais e suas críticas são imprevisíveis.

Em resumo, ter alguns de nossos personagens favoritos e a trama que os envolve transpostos para o cinema é um verdadeiro presente. Então, antes que me pergunte, eu respondo: o filme não é uma adaptação quadro a quadro do anime ou o mangá, mas ele bebe claramente da fonte do anime. E isso é bom.

Algumas cenas do filme são reconhecidas facilmente, tal é sua fidelidade ao anime. Para melhorar, alguns pontos do anime e do mangá foram postos de lado, sem que o respeito a Ghost in the Shell fosse comprometido em qualquer momento. Logo, o live action era necessário.

Similaridades.

Antes de mais nada, Ghost in the Shell, o filme estrelado por Scarlett Johansson, não é uma cópia quadro a quadro do anime. Há cenas reproduzidas em sua essência, porém todas enquadradas com perfeição no roteiro de Masamune Shirow. Esse longa-metragem serve para elucidar algumas questões do anime e tem o mérito de complementá-lo.

A presença de todos os integrantes da Seção 9 é algo a ser comemorado, principalmente pela boa escolha do elenco. Batou ficou perfeito e a versão de Arakami deu mais imponência ao personagem.

A cidade futurista convence e nos dá uma clara mostra do que o futuro nos reserva, seja ele muito bom (qualidade de vida) ou ruim (nossa essência pode ser hackeada). O modo como a Seção 9 se comunica em casos de ação e até as redes sociais são pontos interessantes na narrativa.

Os personagens receberam algumas alterações visuais, porém continuam – em sua essência – preservados.

Adaptação ou complemento?

Na saída da pré-estreia isso foi questionado por alguns dos presentes. Afinal, o que essa obra é na verdade: uma adaptação ou um complemento ao anime? Eu a considero um complemento à mitologia de Ghost in the Shell, mas ela dispensa assistir ao anime ou ler o mangá, já que sua história está conectada de forma correta, com início, meio e fim.

A essência da história original está conservada, já que se trata de um filme onde um grupo antiterrorista é acionado para combater um hacker poderoso e sem piedade. Claro que a maior inspiração para essa obra  – ao menos visualmente – está no longa de animação homônimo, cujas principais passagens são transpostas para a tela de forma ou idêntica ou bem próxima daquilo que foi visto.

E não há nada de ruim nisso…

Vida eterna à venda.

A promessa de vida eterna – ou algo muito próximo disso – é a fonte para as modificações feitas nas pessoas. Desde olhos até articulações, tudo pode ser ciberneticamente aperfeiçoado, fato que melhora exponencialmente o desempenho dos humanos. Major é, no filme, uma espécie única, a primeira experiência de implante cerebral em um corpo ciborgue que deu certo. Uma de suas criadoras, a doutora Ouelet (Juliette Binoche) se mostra como uma protetora à policial, apesar das críticas de alguns dos nomes fortes da empresa que tornou possível essa migração cerebral, a parceria entre elas é visível desde o primeiro momento. O que intriga o espectador é a motivação por trás dessa parceria. Ouelet é algo além de uma programadora para Mira (o nome pelo qual ela se refere à Major)?

Esse ineditismo é algo que preocupa os executivos da empresa detentora da tecnologia que originou Major. Ela agora é uma arma no combate a crimes cibernéticos, porém está sujeita aos ataques de um criminoso chamado Kuze, cujo maior atributo é o de ser indetectável. Seu anonimato o permite cometer assassinatos e hackear mentes, expondo as fragilidades da empresa. Kuze irá se mostrar muito mais que um simples vilão com o decorrer da trama.

Outro fator muito interessante está no nível de implantes e melhorias feitas nas pessoas que, conforme o filme progride, impedem que o público possa distinguir uma máquina de um humano ou um ciborgue.

Filosofias e questões.

Ghost in the Shell tem o mérito de levar-nos a meditar sobre nossas origens, as vaidades que ditam o que é correto visualmente ou não, as melhorias médicas que salvam e, em alguns casos, podem provocar a morte. Mais do que isso, a busca pela perfeição física é uma das premissas do longa, cujos esforços podem beirar a diminuição da própria humanidade em prol do bem estar ou da beleza.

Uma outra interessante reflexão está sobre os limites para essas modificações. Transportando essa questão para os dias atuais, teríamos o debate sobre o que é um corpo saudável e, sobretudo, quais os limites para essa busca da beleza duradoura.

A presença de Kuze também é uma crítica aos limites da medicina. Até quando um experimento médico pode ir na busca por uma melhor qualidade de vida para as pessoas? Esses limites foram debatidos ao final da Segunda Guerra Mundial quando os experimentos dos médicos nazistas foram expostos ao mundo, chocando até os mais incrédulos.

Outro ponto bem abordado está no evidente poder das grandes corporações e suas decisões que podem arruinar vidas para alcançar seus objetivos.

Ação e influências visuais.

As cenas de ação estão dosadas bem equilibradamente. O uso de slow motion e os efeitos especiais não estão à toa no filme. Há um visível cuidado com a adequação de cada tomada. Percebi três influências visuais neste longa-metragem: Matrix, Blade Runner e Westworld. Alerto que não estou falando de plágio, apenas de similaridades. Até porque – em uma análise mais profunda – dois dos três exemplos beberam na fonte de Ghost in the Shell, com exceção de Blade Runner (1982).

A cidade, o trânsito, as propagandas, roupas e demais elementos dão credibilidade à cidade oriental e multicultural. A miscelânea de modernidade extrema com o caos urbano deu vida à cidade e seus habitantes.

A fonte visual está, obviamente, também no mangá e no anime, porém infinitamente melhor e com mais credibilidade.

A espera valeu a pena?

Essa resenha apontou apenas alguns dos pontos positivos da história. Ghost in the Shell é uma adaptação que irá agradar aos fãs das obras originais e, certamente, tem qualidades suficientes para atrair novos amantes à franquia. O investimento foi pesado em todos os níveis, desde o figurino até a implementação dos efeitos especiais. Há cenários inacreditáveis em cada cena, um verdadeiro espetáculo visual. A direção de Rupert Sanders guiou brilhantemente as equipes e o elenco dentro do roteiro elaborado por Jamie Moss.

Não vá ao cinema esperando encontrar um filme de ação comum. O que vocês verão é um filme de ficção científica com altas doses de filosofia e crítica social. As ações existem e são um óbvio exemplo do esforço da produção, atores e roteirista para entregar um filme à altura daquilo que Masamune Shirow idealizou.

Agora, fica a esperança de que a franquia se prolongue e novos filmes surjam…

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