In this image released by Universal Pictures, Emily Blunt appears in a scene from, “The Girl on the Train.” (DreamWorks Pictures/Universal Pictures via AP) ORG XMIT: NYET204

Crítica: A Garota no Trem (2016)

Rachel Watson (Blunt) é uma mulher divorciada e desempregada, e anda de trem todos os dias enquanto bebe compulsivamente, admirando (ou invejando) a vida de um jovem casal – Megan e Scott Hippwell (Bennett – também no recente Sete Homens e Um Destino – e Evans) pelo amor perfeito que supostamente eles compartilham. Não coincidentemente, eles moram ao lado de sua antiga casa, ora habitada por seu ex-marido Tom (Theroux), junto com sua filha e nova esposa Anna (Ferguson).

A grande beleza desta obra com certeza reside nos planos gerais e em detalhe do trem, representando algo sempre em movimento, independentemente do que acontece ao seu redor. Podemos traçar este paralelo com a personagem de Rachel, que apesar de sua vida passada estar lá, naquele bairro, naquela rua, naquela casa, a vida continua, ela é uma constante, ela não para, e por mais que se tente voltar, os trilhos sempre continuam em direção para o que está adiante.

Porém, nem mesmo a beleza da fotografia e as simbologias conseguem salvar uma história mal contada.

Comecemos pela maneira como a narrativa fora estruturada. O estilo reside em uma fragmentação de três pontos de vista diferentes das personagens Megan, Anna e Rachel. Além disso, também fora divido em espaços temporais distintos. A intenção deste tipo de abordagem certamente era decupar pedaços de história, que ao final se interligam. Estes pedaços, por sua vez, contribuem para o aumento do suspense em desvendar um mistério. Principalmente porque este envolve diretamente as três referidas mulheres.

O resultado, no entanto, não conferiu a tensão que se esperava. Ao contrário, tornou-se uma narrativa extremamente expositiva, com flashbacks dentro de flashbacks mal intercalados em uma montagem desastrosa, e ainda, a direção de Tate Taylor escolhe focar em elementos desnecessários apenas para despertar sentimentos de expectativa e ansiedade pífios. Podemos observar tais efeitos em, por exemplo, introduzir personagens que em nada agregaram, como o homem que Rachel notou que a observava no trem, ou então, um vídeo de Rachel que serviria como algo incriminador, mas perde a oportunidade para não ter outra função a não ser aumentar a frustração na protagonista.

Em relação aos personagens, Emily Blunt está completamente convincente em seu papel de uma mulher frustrada, amargurada que não consegue evitar a bebida “ocasional”, embora seus esforços imensos para tentar sair de um pesadelo emocional. E a sua embriaguez pode-se sentir até na voz, mesmo nos momentos em que ela deseja transparecer sobriedade. A direção de arte fez um ótimo trabalho em personificar o estado da personagem com maquiagem e cabelos bagunçados, em uma aparência decadente.

No entanto, os demais, apesar de sólidos em tela, não têm a mesma profundidade. Na medida em que a narrativa se desenvolve, nós nos deparamos com a vida de fachada que vive Anna e Megan, por conta de seus maridos, e não há nada mais além disto. Seus personagens não são aprofundados o suficiente. A primeira fica totalmente dispersa, apenas observando a vida acontecer, e quando se exige alguma efetiva participação, ela tem a reação mais ridícula de todas ao final. A segunda, um pouco mais complexa, ao menos consegue transparecer uma vida construída em atitudes que se esperam dela, ao invés do que ela realmente quer.

Os personagens masculinos tiveram papéis muito óbvios como vilões da história. Eles são o retrato do machismo, e também são representados com superficialidade. Isto é facilmente notado no personagem Scott Hipwell (Evans), o marido de Megan,o qual ficou solto durante a história e sem desfecho. Ele tem uma participação efetiva apenas para praticar atos reprováveis. Ainda, temos o pior psicólogo de todos os tempos, Kamal Abdic, apesar da boa atuação de Édgar Ramírez.

 

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O filme, que já não começa tão bem, consegue desandar ainda mais no terceiro ato, eis que o final não se demonstrou tão satisfatório como deveria ser em um suspense. Primeiro, porque ele é facilmente deduzido. As reviravoltas são tão previsíveis e, mesmo não sendo percebida, a revelação não é tão surpreendente assim. Segundo, pois o senso de “empoderamento feminino” é inexistente. Não sentimos que realmente houve algum tipo de “empoderamento” ou liberação do aprisionamento de uma relação abusiva. Por fim, temos novamente o fator “explicativo” de situações, as quais o próprio espectador consegue entender e preencher as lacunas mentalmente, porém, o filme insiste em explicar uma, duas, três vezes, sem qualquer necessidade, fazendo com que o final se prolongue por mais tempo do que o tolerado.

E se não bastasse tudo isto, alguns momentos podem gerar risos não intencionais.

Por conseguinte, fica evidente o fato de que o filme não consegue se manter coeso, ao se perder na própria proposta em ser um convincente e atraente suspense.

Direção: Tate Taylor.

Roteiro: Erin Cressida Wilson.

Elenco: Emily Blunt, Rebecca Ferguson, Haley Bennett, Justin Theroux, Luke Evans, Édgar Ramírez, Allison Janney, Lisa Kudrow.

Baseado no livro homônimo de Paula Hawkins.

Avaliação: 2,5/5,0

Texto originalmente publicado em 31 de outubro de 2016.

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