O filme do Esquadrão Suicida causa arrepios em qualquer fã de cinema e/ou quadrinhos até hoje. Apesar do fracasso de crítica, e o sentimento quase unânime de que foi uma das maiores decepções do mainstream nos últimos anos, é fácil reconhecer que o filme de 2016 trouxe uma releitura muito significativa da personagem Arlequina, interpretada pela ótima atriz Margot Robbie. Os cosplays da personagem se tornaram recorrentes, e o ideal de relação da dupla Coringa & Arlequina, se tornou fetiche principalmente entre os mais jovens. Algo alarmante que, acaba se tornando um dos focos deste longa, desmistificar essa relação abusiva, deixando que ela seja vista por muitos como algo a ser almejado.
Logo na introdução do filme, além da preocupação genuína da equipe de desfazer essa relação, podemos ver que a obra faz questão de levantar algumas bandeiras muito importantes e que devem ser cada vez mais disseminadas, na cultura pop. Na apresentação das personagens, somos apresentados a uma protagonista bissexual, e uma outra integrante da equipe lésbica. Além de ser uma equipe de etnias muito variadas (das cinco que compõe o grupo, apenas duas são caucasianas e além delas temos uma negra, uma latina e uma asiática), uma diversidade rara nas produções de Hollywood.
E diante de tudo que Margot Robbie passou nos últimos quatro anos para produzir este filme, não poderia ser diferente: Ela teve a ideia durante as gravações de esquadrão suicida, percebendo que o potencial de sua personagem estava sendo desperdiçado com a direção e o roteiro de David Ayer.
“Depois de Esquadrão Suicida, achei que havia tantas coisas dela ainda para mostrar. Não estava pronta para desistir de Arlequina.”
Comentou a artista em entrevista ao site UOL.
Após o convencimento da produção do filme, que conta a história de um grupo de ˜justiceiras”de Gotham que se juntam para enfrentar uma determinada situação, ela ainda teve que bancar seu pedido por uma equipe majoritariamente feminina e a contratação da inexperiente diretora Cathy Yan, que vinha de apenas um longa independente na sua filmografia .
Com a pressão dos grandes executivos e com a ajuda da imprensa que tentava desestabilizar a produção do filme, criando notícias falsas sobre o comportamento da protagonista no set, a equipe conseguiu criar uma história que reflete muitos desses anseios modernos que as mulheres sentem, de sempre ter um homem recebendo a glória pelos seus feitos e escondendo o seu verdadeiro potencial, como se fosse algo normal.
A emancipação fantabulosa de Arlequina é narrada (literalmente, pois o filme é cheio de Voice Overs, que em alguns momentos até se integram com a cena) de maneira maravilhosa, e os dois primeiros atos são recheados de uma excelente qualidade cinematográfica, a destacar as cenas de ação primorosas, a montagem, que conta a história de maneira “confusa” mas que emula perfeitamente o jeito que Harley Quinn contaria, se ela mesma estivesse narrando os acontecimentos; a direção de arte que traz figurinos e acessórios inventivos para auxiliar na história e reforçar a personalidade das personagens e principalmente a trilha sonora, que além de ser toda feminina, se integra impecavelmente a história de maneira competente, trazendo sem muito alarde um refinamento técnico em relação aos outros filmes adaptações de HQ da produtora.
O roteiro do filme faz algo louvável e muito pouco visto no cinema de ação, não há nenhum envolvimento amoroso. A tensão sexual entre personagens é zero, deixando o foco completamente para a ação e o desenvolvimento da protagonista, o que falta para o roteiro ser ainda mais elogiado é tirar um pouco da expositividade, pois ele acaba retomando cenas que o público já entendeu para reforçar alguma ideia que não precisa desse reforço subjugando os telespectadores de blockbuster, acreditando que pela falta de linearidade da história o público ficará perdido em algumas coisas óbvias. E seu terceiro ato, mesmo que continue inventivo e com algumas boas sequências de ação, perde um pouco ao optar por uma paleta de cores mais sóbria e cair no clichê de uma cena megalomaníaca, quando um desfecho mais sensato para o vilão máscara negra faria mais sentido. Pois o ator Ewan McGregor demonstra uma dedicação absurda para o seu personagem, e é uma grande surpresa o bom desenvolvimento do vilão que o ator consegue entregar na obra que está muito mais focada em desenvolver suas mulheres.
Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa é o primeiro filme de destaque de 2020 e faz jus a um legado indireto de Mulher-Maravilha. E já torcemos um crossover das duas histórias
Nota: 8,5/10