Contágio – Um filme nunca foi tão atual e assustador. Mas é possível aprender com ele…

Em tempos de pandemia, onde o assunto predominante é o coronavírus, nada mais atual do que assistir a esse filme que arremessa na face do espectador – em poucos minutos – aquilo que a OMS e todos os órgãos de saúde do mundo avisam de forma constante: a assepsia é indispensável para evitar a propagação do contágio.

Mas um outro fator também é apresentado de forma rápida e chocante, já que não há como negar que a prevenção de uma doença que é passada pelo contato humano – através do toque e da tosse – é algo dificílimo, principalmente quando consideramos que a maioria da população do mundo não está habituada e preparada para uma epidemia cujo alcance seja gigantesco, algo propiciado pela transferência de objetos entre as pessoas, cumprimentos, diálogos e a existência da facilidade de transitar-se entre um país e outro (ou entre cidades) com absoluta tranquilidade. Não há fronteiras para uma doença que mata em apenas dois dias.

O que provoca desconforto – e isso é uma clara demonstração de cinema bem feito – é o destaque para os lugares, objetos e pessoas que os contaminados tocam. Adicionemos a essa equação a presença desses indivíduos que desconhecem ser portadores da doença e, por isso, transitam em todos os lugares possíveis, espalham por pura ignorância da gravidade de suas situações uma doença fatal e silenciosa.

A direção de Contágio (Contagion/2011) faz questão de destacar a exposição dos profissionais de saúde (algo que realmente está acontecendo na pandemia de coronavírus). Seja para salvar ou para apurar os fatos geradores da morte de um paciente, eles se expõem de todas as formas, o que os transforma em potenciais vítimas de algo tão grave quanto a doença mostrada no filme.

E o caos vai, gradualmente, tomando forma. O desconhecimento sobre a nova doença gera pânico até mesmo entre os infectologistas. A OMS desconhece a origem, órgãos de saúde se mobilizam para buscar mais informações sobre o problema, mas o tempo é curto e a velocidade de propagação rápida. Enquanto isso, já cientes de uma doença aparentemente incurável, escolas são fechadas e isolamentos são impostos (isso lhes lembra algo?). Porém – já por volta do sétimo dia após a primeira contaminação – ainda não há discursos sobre isolamento aos cidadãos.

Conforme o tempo avança é fácil identificar o desespero na população. As mortes aumentam em progressão geométrica e não há solução para o problema. Profissionais da área de saúde começam a apresentar sintomas de contaminação, mesmo agindo com todo o cuidado necessário.

Game of Thrones sem armas.

A sensação que o espectador terá ao assistir Contágio é a mesma que teve ao ver Game of Thrones. Digo isso por um simples motivo: é desaconselhável se apegar a qualquer personagem, principalmente por causa da provável morte que circunda a todos. Esse temor permeia a obra e mostra a competência da direção de Steven Soderbergh e do roteiro de Scott Z. Burns.

O roteiro tem a coragem de destacar outras similaridades com a pandemia atual. A notícia de isolamento de cidades pode provocar o pânico e, consequentemente, uma corrida para postos de combustível, farmácias e mercados, o que provocará o desabastecimento. Há ainda o alerta sobre o uso de medicamentos existentes que “curam” o doente infectado pelo vírus, mas não são específicos para ele. Assim, infelizmente, o pânico leva centenas de pessoas às farmácias para comprar a possível “salvação” e, consequentemente, deixam os dependentes reais do medicamento expostos à própria sorte, visto que os estoques esgotam.

Mídias Sociais, telefonia e toda sorte de comunicação existente são ferramentas ideias para evitar o desespero e a desinformação, porém não podemos esquecer que há pessoas com interesses políticos por trás de algumas dessas mídias. Tais pessoas se valem da confusão para obter benefícios, enquanto há outras que – por pura ignorância e falta de bom senso – disseminam boatos e ajudam a propagar o caos.

Em escala maior (e possível de ocorrer em uma crise maior), pessoas passam a saquear farmácias, mercados e todos os lugares expostos. Cabe relembrar que os conceitos morais são postos de lado em caso de guerra ou quando a sobrevivência pode depender de atitudes questionáveis. Mas é assim que a humanidade costuma reagir. Então, em momentos como esse, a força e a violência são ferramentas de poder e intimidação, algo que é muito bem usado por pessoas boas e más que não querem perecer diante da morte próxima.

Por medo da dor, da fome e da morte, pessoas comuns tomam atitudes antes inconcebíveis. É isso que o espectador verá ao longo do filme: reações extremas diante de uma situação extrema.


Consequências.

Vidas são perdidas, apesar dos esforços dos vários órgãos envolvidos na luta contra o vírus. Outra coisa que é perdida rapidamente em casos como esse é o senso de comunidade. Pessoas vão se transformando em egoístas que só enxergam a própria sobrevivência.

Não há tempo para sequer se despedir da pessoa amada. Valas comuns, cremação e isolamento. A morte é mais solitária do que nunca e isso está estampado em cada cena do longa-metragem.

A fé é usada para fins lucrativos por um tempo, assim como foi feito ao longo da História. Contudo, chegará o dia em que nem os templos poderão ser ocupados, menos técnicos estarão disponíveis para que os programas de TV sejam transmitidos e, por fim, o verdadeiro isolamento acontecerá.

Esse isolamento pode aproximar o ser humano de um quadro depressivo, desde que o indivíduo não tenha um preparo psicológico bom. A vida em sociedade é uma característica nossa, o que amplia o grau de dificuldade de uma situação como essa.

Agora, caso a situação chegue ao ponto mostrado no filme, certamente estaremos à beira de uma sociedade anárquica. Policiais e médicos também morrem, produtores de alimentos perecem, o abastecimento e a segurança degradam rapidamente, rádios e televisões (incluindo a internet) são silenciados aos poucos. Afinal, necessidades básicas como alimentação, saúde, educação e segurança são providos por pessoas como nós, também passíveis de perecer diante da epidemia. Esse é um quadro mostrado com muito cuidado pelo diretor através do roteiro coerente.

Uma das discussões que está presente em toda a trama é a pertinência da imprensa quanto à disseminação de notícias (falsas e verdadeiras) sobre uma situação tão crítica. Hoje, compreendam, muitas pessoas acreditam que a imprensa pode ser a fonte única de verdades, o que as transforma em pessoas influenciáveis, manipuláveis. Isso pode piorar quando falamos daqueles que só se baseiam em mídias como Facebook, WhatsApp, Instagram e outras cujas informações são ainda menos confiáveis, infelizmente.

Direção unida a um roteiro preocupado em alertar.

Steven Soderbergh dirigiu “Sexo, Mentiras e Videotape”, “Onze Homens e um Segredo”, “Che”, “Traffic” e outros. Mas “Contágio” era um filme do qual pouco esperava. Afinal, o tema “humanidade corre risco de extinção por vírus/bactéria” não é algo inédito, por assim dizer.

Contágio é um trabalho tenso, denso, cheio de nervosismo. há um esforço em mostrar uma realidade incômoda, onde não adianta torcer pelo personagem “A” ou “B”. Soderbergh exibe algumas das facetas mais sombrias da humanidade, o lado podre dos civilizados, onde a máxima: cada um por si chega a provocar raiva no espectador.

O diferencial de Contágio para os outros filmes do gênero está na exposição das reações das pessoas diante do inevitável. O que você ou eu seríamos capazes de fazer para sobreviver? Certamente agiríamos de forma similar ao que é mostrado no filme

Elenco e narrativa.

A linguagem narrativa é menos ágil que os demais filmes similares, um mero detalhe que não atrapalha em nada o desenvolvimento da trama.

Outro ponto fundamental para a produção: a escolha dos atores. Desde Gwyneth Paltrow (ótima em rápidas aparições), passando por Kate Winslet (a médica que busca a solução para o problema), Lawrence Fishburne (o homem do governo), Marion Cotillard (a representante da Organização Mundial de Saúde), Jude Law (o paranóico e inteligente blogueiro) e Matt Damon (marido de Gwyneth e um pai devotado). Todos são atores de alto nível, responsáveis por ampliar a aura de verdade, de credibilidade do filme. Todos sofrem – de uma forma ou de outra – diante da morte e da falta de perspectivas quando confrontados com algo que não compreendem, não veem e, principalmente, temem.

Enfim, as várias tramas que surgem com o decorrer do filme me trouxeram à lembrança o filme “Babel”, onde também há tramas paralelas e que, gradativamente, vão se interligando. Há motivações para todos, sejam elas justas ou não, mas compete ao espectador definir quem ele acredita estar correto.

Assistam “Contágio” e reconheçam nele seus vizinhos, parentes, amigos e até mesmo você. Não há profetizações ou previsões neste filme. Há apenas um alerta sobre um ponto no qual – lamento dizer – podemos chegar se não nos cuidarmos e não respeitarmos as determinações das autoridades à frente de crises, sobretudo a atual.

 

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