Clay Brasileiro – “Ferrugem”

Os limites da vida virtual são tênues. As vantagens de ter uma rede de compartilhamento de experiências são inúmeras, mas os reveses também. A intimidade é uma das coisas que tem sido cada vez mais desrespeitada por esse limite tênue.

O filme brasileiro “Ferrugem”, produzido por Antônio Júnior, dirigido por Aly Muritiba, que também assina o roteiro, junto com Jéssica Candal, é a dura realidade do que um simples movimento incerto faz com que medidas drásticas e irreversíveis sejam tomadas.

Tati é uma adolescente normal, tem todo o acesso às tecnologias e ama compartilhar seus momentos em suas redes sociais. Adora gravar pequenos vídeos, mesmo que sem necessidade, só para registrar. Um desses vídeos é com seu ex-namorado, na época que ainda namoravam, sendo, então, um vídeo íntimo.

Na mesma turma de Tati estuda o filho do professor de geografia, Renet. Ele é introspectivo, já passou por algumas situações ruins dentro de casa, viu os pais se separarem sem motivo algum. Ele gosta de Tati e essa relação começa a ter vislumbres em uma viagem da turma. Na época ele, sem querem, ele viu o tal vídeo dela com o ex na galeria do celular dela.

Na viagem o celular de Tati desaparece misteriosamente. No primeiro dia de aula depois da viagem Tati teve uma surpresa bem desagradável, seu vídeo íntimo havia sido compartilhado no grupo da turma. E aí foi só o começo, em pouco tempo ele já estava até em sites pornográficos.

O clima dentro da escola se tornou insuportável para ele, cada um tinha um pouco de veneno para destilar. O ex-namorado? Parecia que tinha ficado mais popular ainda, em nada sofreu com o vazamento.

Tati desconfiou de Renet, ele negou terminantemente, mas nem amizade vingou depois da desconfiança.

Depois de muito aguentar calada (não conseguiu falar com os pais e os diretores da escola pouco fizeram para a ajudar), ela pegou a arma do pai, levou para a escola e, em um momento que os corredores estavam vazios, ela se posicionou na frente da câmera de segurança e atirou na própria cabeça.

A escola inteira ficou em choque com a atitude dela. O pai de Renet se preocupou, além de professor da menina, ele tinha três adolescentes na mesma escola (Renet, a irmã, Renata, e o primo deles). Levou os três para a praia, aliviar um pouco os ânimos, afastar daquele momento tenso.

Mas fica a pergunta: quem espalhou o vídeo?  A polícia queria saber, afinal é crime e precisava ser investigado. Renet foi intimado e o pai sabia que ele estava envolvido, mas queria o proteger. A mãe de Renet entra na história, mesmo que ele nem queira a ver, ela queria que ele fizesse o certo, falar a verdade para a polícia.

A primeira impressão ao assistir esse filme é: versão brasileira de “13 Reason Why”. Não tem fita, não tem lista de culpados, mas tem um Clay todo cheio de culpa, até mais do que o original.

O vazamento de fotos e vídeos íntimos não é novidade, muito menos as suas consequências. Renet não fez com intenções ruins, isso é claro quando ele mesmo relembra os momentos que passou com ela, aparenta que ele só quis mostrar algo para o primo e foi ele, não Renet, que provocou o vazamento em massa.

Mas qual a relevância disso quando uma pessoa tirou a própria vida por causa disso? Se foi Renet ou o primo que espalhou o bendito vídeo, o que importa é que, por causa dessa iniciativa Tati passou a ser alvo da escola inteira, mesmo que aquelas pessoas que falaram tanto dela fazem a mesma coisa dentro de quatro paredes.

É impossível não levantar hipóteses de como a história seria diferente se Renet tivesse confessado de primeira, ou se nem sequer tivesse pegado o celular dela, se a escola a protegesse de alguma forma, se os pais fossem mais abertos, assim ela poderia ter conversado com eles. São muitos “se” que não aconteceram e resultou numa bala na cabeça dela.

O dilema entre o pai e a mãe de Renet é muito interessante. De um lado tinha um homem, um educador, pensando que seria melhor proteger o filho de uma condenação penal e social, do outro uma mulher, quase apedrejada porque quis sair de um casamento ruim, mas com consciência, sabia que o filho não amadureceria se não admitisse seus erros.

É revoltante ver que existem pais com esse pensamento, ainda mais alguém que estava educando jovens mentes, mas ainda não foi o que mais me revoltou. A hipocrisia e o preconceito (machismo para ser mais específica) dentro da escola foi o pior, e saber que é exatamente assim na vida real!

Todos os colegas que se voltaram contra Tati, chamando de “piranha”, “vadia” e coisa pior, fazem exatamente entre quatro paredes. Vamos falar sério? Jovens têm relações sexuais normalmente e, se for consensual, não há nada de errado, ainda mais quando se esta em um relacionamento.

Errado é julgar uma menina por isso.

No vídeo ela não está sozinha ou com um completo desconhecido (o que seria problema só dela), ela está com o namorado dela, tinha todo o direito de fazer o que quisesse, inclusive de gravar no seu celular. Se ela queria guardar essa recordação, era problema dela, nem tinha a intenção de mostrar a ninguém, era algo só dela.

Mas a culparam por isso tudo. Nem sequer procuram saber como ela estava, julgaram e pronto. E, como todo julgamento resulta a uma pena, a desse tribunal escolar foi a morte da colega.

Sabe o que aconteceu depois? Chamaram Tati de dramática, disseram que a reação dela foi exagerada, não precisava ter se matado, muito menos na frente de uma câmera. Mais uma vez julgada, mesmo depois de perder a vida!

Ela era uma santa? Não, e ninguém é! Mas o erro não foi dela, foi de Renet, que espalhou o vídeo e nem sequer pediu desculpa. Virou o Clay brasileiro, chorando pelo o que poderia ter acontecido!

O elenco conta com Tifanny Dopke como Tati, Giovanni De Lorenzi como Renet e Enrique Diaz Davi como o pai de Renet. Para mim o destaque foi para Giovanni De Lorenzi, seu Renet foi um lado diferente de o ver em cena.

Giovanni ficou famoso pelo personagem em “Deus Salve o Rei”, o filho do capitão do exército e mestre da academia, sonhando que ele se tornasse um guerreiro, mas ele tinha o dom da gastronomia. Ele ganhou meu coração na novela, já no filme me fez ter nojo dele, porque é aquele que parecia ser o único que não a magoaria, mas foi quem mais magoou.

Se tinha alguém que pudesse ser o Clay brasileiro, esse alguém é realmente Giovanni De Lorenzi.

E a mensagem que fica do filme é: meninas, não tenham vergonha de quem são; meninos, assumam seus erros; sociedade, saiba lidar com o adolescentes e com igualdade de direitos!

Beijinhos e até mais.   

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