Carta a “Logan”

Eu poderia escrever uma crítica ao filme “Logan”, como já fiz tantas vezes para tantos filmes. Mas as críticas e comentários que eu li na internet não só me deixaram satisfeito, como contemplaram todos os seus pontos positivos. Mas ainda assim eu gostaria de escrever algumas palavras. De despedida e de agradecimento.

Não foi só o Hugh Jackman que se despediu do personagem após 17 anos. Não foi apenas o dublador Isaac Bardavid que se despediu com ele, como o próprio relatou em um belíssimo desabafo em um vídeo divulgado pela internet. Nós também envelhecemos junto com o Wolverine. No meu caso, não era mais nenhum adolescente quando assisti X-Men, o filme, no ano 2000. Mas tenho uma alma nerd que insiste em não envelhecer quando o assunto é cultura pop. Então eu curti aquele filme como uma criança de 10 anos vendo alguns de seus personagens preferidos “em versão real”. O hype, o marketing e todo aquele clima legal criado em torno do filme me fizeram gostar muito do resultado, embora todo fã sempre acha alguma coisa para sentir falta ou lamentar que poderia ter sido de outro jeito.

O que importa foi X-Men foi um marco. Para dar vida à franquia, para fazer a FOX ganhar rios de dinheiro, e para nos apresentar alguns mutantes na telona. Ficou pra mim aquela sensação de que alguns mutantes poderiam ter sido retratados de uma forma mais fiel aos quadrinhos, mesmo sabendo que é preciso realizar adaptações de HQ’s para as telas. Tempestade, Ciclope, Jean Grey e principalmente a Vampira ficaram muito aquém de suas versões impressas. Mas ali tinha um jovem ator que se destacou dos demais. OK, tinha aquela coisa de que o personagem não tinha a violência e a personalidade das HQ’s – fato que era até desculpável na época em razão de como os filmes de super-heróis eram tratados para o público teen – mas eu não lembro de ninguém que tenha reclamado do Wolverine. Pelo contrário, os elogios eram sempre que o “Hig” Jackman tinha realmente se entregado ao papel. Era a grande chance do ator, até então com pouco destaque no cinema. Interpretar o favorito de 9 entre 10 fãs dos X-Men seria sua chance de ouro. E ele conseguiu. E como!

Não foi só o Deadpool que se confundiu com as linhas do tempo esquisitas da franquia. Devido a uma sucessão de erros e pura ambição financeira, sem a preocupação de um roteiro decente, vimos histórias dos X-Men contadas na tela de uma forma não linear. Aliás, longe disso. Mas quero que percebam um detalhe. Contando os 6 filmes em conjunto e os 3 filmes solo do Wolverine, tivemos 2 Professores Xavier, 2 Magnetos, 2 Místicas, 2 Tempestades, 2 Feras, 2 Jean Grey, 2 Calibans, 2 Emma Frost, 3 Ciclopes, fora os que não estou lembrado agora. Mas Wolverine só teve 1. “Ah, mas alguns destes personagens foram retratados como crianças/adolescentes, não conta! Ah, mas Wolverine praticamente não envelhece!” Ah, mas foi só uma ponta ou um fan-service”! Verdade! E por que então, já que fizeram a turma da mônica mutantada toda jovem, porque não arriscaram em colocar um Logan adolescente também? Porque poucas, raras, raríssimas vezes o cinema conseguiu entregar um ator completamente associado ao personagem.

Mesmo depois de dois filmes solo que o estúdio, os roteiristas e os diretores fizeram de tudo para que a gente detestasse o resultado, era praticamente uma unanimidade a frase: “dos filmes só presta mesmo o ator.” Com roteiros sofríveis, personagens completamente descaracterizados (Oi, Barakapool) e contradições com outros filmes e HQ’s o tempo todo, os filme do Wolverine tinham tudo para enterrar não apenas a sua franquia solo, como também comprometer as histórias do grupo. Mas a cada vez que se anunciava um novo longa do herói, nossos corações se enchiam de esperança novamente. “Será que agora vai?”, sempre dizíamos. Nós estávamos esperando ESSE filme. Poderia ter sido menos sofrido, mas se Wolverine 1 e 2 existiram que para LOGAN fosse feito, somos capazes até mesmo de perdoar vocês por toda a nossa decepção. Não estávamos prontos para simplesmente ver outro ator que não fosse o Hugh Jackman usar as garras do carcaju. E talvez nem mesmo agora estejamos prontos. Mas ao menos tiveram a honra e a decência de nos proporcionar um momento de despedida.

Alguém aí gosta de se despedir de alguém que gosta? O ser humano habita esse Universo há milênios, mas até hoje não conseguiu evoluir quanto ao sentimento de perda de um ente querido. Ou de um animal de estimação. Ou de um amigo. Não, não estou exagerando. É quase isso que nossos personagens favoritos são para nós, amigos. O filme “Logan”cumpriu brilhantemente sua tarefa de ser um drama real. Definitivamente, não é um filme de super-herói. Na mais perfeita decisão possível, o nome do filme é seu nome verdadeiro. Porque é disso que ele trata. Ele não está em uma missão, ele não está tentando salvar o mundo, ele está simplesmente completando sua jornada, assim como todos nós faremos um dia. Com as diferenças óbvias de quem passou por tudo que ele teve que passar na sua vida mutante…

Este terceiro filme finalmente trouxe toda a violência gráfica que ajudou a tornar o mutante famoso nas HQ’s. Novamente, não foi exagero. Essa é a essência do personagem. Ele foi criado assim, selvagem. Faz parte de sua natureza. Domesticar um animal selvagem é conviver com o perigo todos os dias, pois nunca se sabe quando seu instinto vai falar mais alto. E é assim que todos se sentiam ao lado do Wolverine. Mas, apesar de ter sido tratado como um animal, depois ter sido orientado para ser um super-herói, Logan é um humano. E o professor Xavier, e principalmente a Laura, o ajudaram a lembrá-lo disso. Foi lindo de ver que, mesmo com tudo que estava se passando, uma das preocupações principais de Logan era proteger e ajudar seu antigo mentor, o mais próximo de um pai que ele já teve. Alguém que tanto o ajudou, e não haveria nada mais justo e humano do que retribuir essa ajuda quando este está sofrendo todos os efeitos da idade. Foi igualmente emocionante ver como Logan teve a oportunidade de aceitar, ajudar e proteger Laura. Não porque ela era a X-23, não porque ela foi um experimento como ele. Mas porque ela era parte dele. Para um ser angustiado, amargurado e com todo o sofrimento que a vida lhe causou, poder viver a sensação de ter uma família, mesmo que por poucos instantes, era a redenção que ele precisava. Tal qual uma das maiores frases de efeito do filme, Logan teve a oportunidade de passar um ensinamento. Ele poderia ter sido um animal, um experimento, um assassino, um lutador, um super-herói, uma lenda. Mas ele decidiu ser um humano. “Não seja aquilo que te fizeram!”

O filme não é teen, não é sombrio, não é uma comedia. O filme é sobre uma jornada. Uma longa jornada, como um road movie. Uma antiga jornada, como um faroeste. Uma cansativa jornada, que nos deixam marcas como as cicatrizes e mudanças no corpo e na mente causadas pela idade. Uma jornada de auto-descoberta, de aceitação, de reflexões sobre e experiência e o sentido da vida. E, por mais longa e dura que ela seja, toda jornada tem seu fim… Muitos ficaram chateados com o final do filme. Que outra maneira seria mais bonita de homenagear a última vez que o ator viveria o personagem nas telas? (e, sinceramente, quero muito que todos cumpram a palavra quanto a isso). Daqui pra frente, tão natural como a luz do dia certo quanto haverá novos filmes dos X-Men, podemos afirmar que teremos um novo Wolverine no cinema. Um ator mais jovem, um substituto para o personagem, quem sabe até a X-23 assumindo seu “uniforme”. Agora, sim, podemos aceitar isso. Porque foi feita a justiça. a dignidade e o respeito com o ator e com o personagem. O nosso muito obrigado por tudo a Hugh Jackman! O nosso muito obrigado a Logan.

Mais do NoSet

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *