“Chorão: Marginal Alado”: Documentário conta a história do líder da banda Charlie Brown Jr.

Marcelo Nova, lenda do rock brasileiro, conta em um depoimento que uma vez fez uma participação em um show do Charlie Brown Jr. Quando ele subiu no palco com a guitarra em punho ficou apavorado com a idolatria juvenil da plateia, na maioria adolescentes ou teimando não sair dela. Marcelo embasbacado com o frenesi diz no ouvido de Chorão: Cara você é a Xuxa do rock! Alexandre Magno Abrão, ou melhor o front man Chorão, falecido precocemente aos 42 anos, tem sua vida de altos e baixos retratada no excelente documentário Marginal Alado, de direção de Felipe Novaes, filme de 2019, mas lançado recentemente para marcar os 50 anos do Chorão, filme que pode ser visto em diversas plataformas de streaming.

A vida de Chorão é retratada desde seus primórdios como skatista, conhecedor da cena de rua e fã de som pesado. Monta o Charlie Brown Jr. juntamente com músicos excepcionais do quilate de Pelado, Champignon, Marcão e Thiago. E de uma banda incipiente em busca de seu lugar ao sol com referências explícitas de Suicidal Tendencies, punk rock californiano, reggae e hip hop, o Charlie Brown, em dois anos desponta para o sucesso nacional, vendendo muitos discos, percorrendo o Brasil em turnês, com intensa exposição na mídia e devido ao carisma do vocalista, ganhando uma legião de fãs fiéis que idolatram seu ídolo como seu guru motivacional e exemplo de uma geração.

Marginal Alado é um belo compilado da vida do Chorão. Usando uma intensa edição de imagens de arquivo e de bastidores excepcionais e depoimentos de gente que viveu com ele, tenta montar o quebra-cabeça e a montanha-russa que foi a vida do falecido vocalista. Mesmo para o não fã da banda, mas que viveu os anos 1990, é impossível não se emocionar com o recorte de imagens, clips e programas que fizeram o Charlie Brown se tornar uma das bandas mais famosas do Brasil. Além, é claro, da explosão sonora da banda e da qualidade primorosa dos músicos e arranjos que são um deleite para quem gosta de boa música. Um documentário homenagem, sem inovações, sem ousadia, mas no ponto certo para agradar os ardorosos fãs do Chorão.

Depoimentos certeiros como os de João Gordo, Serginho Groisman, Marcelo Nova (que conta a passagem que cito no início texto), tentando explicar cada qual do seu prisma, o fenômeno que representava o artista e a pessoa, além de participações essenciais de amigos próximos, do filho, da esposa, do motorista da banda e do segurança pessoal, que tentam mostrar que atrás daquele cara genial, genioso e ególatra tinha uma pessoa sempre disposta a dar o que não tinha para ajudar quem precisasse. Emocionante também é a participação de Champignon, que fez a entrevista para o filme e se suicidou sete dias depois, completando o trágico fim do Charlie Brown. Talvez tenha faltado mostrar um pouco mais o Chorão pré-fama, até com imagens, e depoimentos anteriores ao sucesso para tentarmos entender como foi sua formação e sua obsessão por vencer a vida do seu jeito, sem se importar com os outros. Mas parece que essa sua sempre citada vitória pessoal onde o escritório na praia era o símbolo máximo de seu jeito de ser, perturbava um pouco o artista, que sempre precisava provar para todos que venceu, fez do seu jeito e isso era representado nas suas letras (principalmente do meio da carreira em diante). Quase ensaios de autoajuda juvenil onde ele, através de sua poesia, conseguia passar uma força de vontade digna de um coaching para sua horda de fãs que o viam como um guru.

Chorão era uma máquina de pensar e colocar seus pensamentos no papel e na música, isso fica visível no filme, um fanático por composição sempre com violão na mão e caneta em ação, mas essa inquietude talvez possa ter sido uma das causas de sua autodepreciação no fim da vida. Outro grande mérito do filme é que consegue mostrar um personagem ora humano ora insano, que não conseguia relaxar, sempre com seus fantasmas internos perturbando, suas tretas com músicos, com os desafetos e com a engrenagem musical e sem pegar leve através dos depoimentos dos amigos que mostravam a angústia deles com o comportamento destrutivo que ele estava tendo no fim da vida, abusando de pó, calmante e bebida, naufragado numa depressão e num barco sem volta, já que ele não buscava ajuda e cada vez mais se isolava e se acabava aos poucos. Triste fim para um cara que, gostando ou não, é impossível não mensurar o tamanho que ele representou para a música jovem brasileira, abriu caminhos para um tipo de música de nicho, que como um trampolim foi ao mainstream e embalou e embala ainda muita gente que cresceu ouvindo Charlie Brown.

Feliz homenagem ao já imortal Alexandre Magno Brandão, em um documentário, muito bem dirigido, com o roteiro linear, mas extremamente consistente e um show de imagens editadas e som que vão fazer os fãs muito felizes. Se ele decifrou a esfinge Chorão? Talvez não, em uma hora e 17 minutos é impossível, mas através de pistas em letras, depoimentos de amigos e imagens de vida na estrada que era a vida dele, o filme deixa aberto para o espectador tentar entender quem foi o ídolo de uma geração.

“Chorão – Marginal Alado” é uma produção da Bravura Cinematográfica, com coprodução da MTV e distribuição da O2 Play. Melhor Documentário Nacional no Voto Popular na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2019, e, no mesmo ano, também participou do Festival do Rio. Participam do documentário personalidades como Serginho Groisman, João Gordo, Marcelo Nova, Zeca Baleiro e Digão (Raimundos), apenas para citar alguns.

O Filme estreia dia 8 de abril simultaneamente nos cinemas e nas plataformas NOW, Google Play, Apple TV, Vivo Play, Looke e Youtube.

 

 

 

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