Chacrinha: o Velho Guerreiro.

Poucos foram os homens e mulheres que se destacaram como comunicadores de massa ao longo de décadas no Brasil. Seja no rádio ou na TV, vimos alguns ganhar status de celebridade por causa do alcance de suas palavras, brincadeiras e dos programas que ajudaram a alavancar. No fim das contas, a verdade é que essas pessoas estão imortalizadas nas mentes e corações de gerações e, entre elas, um se destacou de forma espetacular: José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha. Para comprovar isso, eis que ganhamos um filme sobre a vida dele: Chacrinha – o Velho Guerreiro, onde o ator Stepan Nercessian dá vida a ele com o visual que mais está marcado no inconsciente popular.

Dirigido por Andrucha Waddington e roteirizado por Cláudio Paiva, o filme estreia hoje em grande circuito. Posso adiantar que a obra tem grande peso emocional e é uma linda homenagem ao eterno Velho Guerreiro.

Quem não se comunica, se trumbica.

A maior parte da trama aborda a vida do Chacrinha já mais velho, mas há uma ótima passagem que mostra o começo de sua carreira mais novo. Com a ótima atuação de Eduardo Sterblitch, conhecemos algumas nuances de sua vida que são praticamente desconhecidas do grande público.

Esse período da história do Chacrinha (ele ganhou esse apelido por ser apresentador no rádio do programa “Rei Momo na Chacrinha”, cujo foco era tocar músicas de carnaval. O programa fez muito sucesso e o nome passou a fazer parte de quem ele era. Nesse ponto, Sterblitch mostra um humor e uma sagacidade que dão a clara ideia do quanto o jovem Abelardo era astuto. O tino dele para os negócios e o sucesso surpreendiam a todos. Aos poucos seu jeito irreverente caiu no gosto popular.

Essa era uma época onde o rádio predominava. Famílias se juntavam ao redor do aparelho para ouvir rádio novelas, programas de auditória e se deliciar com os grandes cantores e cantoras que também estão imortalizados. Com seu grande talento para a comunicação, uso de todas – literalmente todas – as ferramentas possíveis para trazer mais dinâmica e humor aos seus programas, o Chacrinha ganhou vulto e se tornou cada vez mais popular.

Nesse ponto também é mostrado um dos marcos da vida de Abelardo: o dia em que ele conheceu a mulher que se tornaria sua esposa, a jovem Florinda.

A fase jovem do Chacrinha no filme é a mais divertida e leve e está bem condizente, apesar de algumas licenças poéticas para adequar a narrativa e os fatos ao pouco tempo que o cinema permite.

Alô, atenção!

O roteiro foi muito feliz ao traçar o perfil do jovem Abelardo com o já popularíssimo Chacrinha. Mostrar a origem de alguns bordões, como ele adquiriu o costume de usar a buzina, suas roupas mais excêntrica e até o problema intestinal que o acompanhou por toda a vida. Tudo tem a função de dar mais humanidade a ele, sempre de forma muito respeitosa.

Um dos problemas de cinebiografias é o “endeusamento” do personagem abordado. Nesse filme, felizmente, não há espaço para muita frescura, algo que o Velho Guerreiro certamente amaria, já que ele próprio era um cara muito direto e até rude, porém o mais honesto possível.

Terezinha!!!!

Quando o apresentador entra no mundo dos programas de auditório, temos uma surpresa atrás da outra. É possível viver um pouco dessa época através da reconstituição feita pela produção e a direção eficaz de Andrucha. Muitos elementos da época (figurino, eletrônicos, carros e outros elementos) estão reproduzidos à perfeição. É possível mergulhar naquele tempo onde os homens e mulheres primavam pela elegância… e onde os pecados eram mais velados.

Já na fase de auditório, descobrimos, por exemplo, como o bordão “Terezinha!!!!!!” foi definitivamente incluído em seu repertório.

Eu vim para confundir, eu não vim para explicar.

Retratar um homem, expor suas forças e fraquezas é algo da mais extrema complexidade. Abelardo Barbosa era um homem de gênio forte e essa foi sua marca durante toda a vida. Mesmo assim, ele sempre fez o máximo por aqueles com quem trabalhava, era um workaholic que nunca sossegava enquanto aquilo que era sua meta não acontecesse. Dedicado ao trabalho, obviamente alguma lacuna ficaria em outro lugar e, infelizmente, esse lugar era a família.

Esse sucesso, ampliado pela TV que substituía gradativamente o rádio, o catapultou para o estrelado definitivo. Como está mostrado no longa, mesmo em casa ele estava imerso em como melhorar ou trazer algo novo para seu programa. Tal como fazem os pais de hoje, ele agradava a esposa e filhos com o luxo que o dinheiro pode comprar. Claro que sabemos que isso jamais bastará.

De qualquer forma, Andrucha e Cláudio Paiva foram corajosos ao revelar passagens pesadas da vida do Chacrinha, inclusive de sua vida amorosa, sem que isso soasse desrespeitoso. Na verdade, a sensação que fica é a de que ele era apenas um homem como outro qualquer, sujeito aos erros e tentações que todos nós podemos ceder. Mesmo assim, seu senso de amor pela família jamais diminuiu, o que também é mostrado não só com relação à esposa e filhos, como por aqueles que trabalhavam com ele, sua segunda família.

Vocês querem bacalhau?

Tudo que transformou o apresentador Chacrinha em um fenômeno de audiência está muito bem reproduzido no filme. Seu jeito extrovertido, seus bordões (e um pouco da história por trás deles), a interação com o público do auditório (“vocês querem bacalhau?), a facilidade com que mantinha o sorriso até em situações péssimas, seu apego com a equipe e, inclusive, seu humor que oscilava entre o feliz e o surtado eram componentes de um personagem criado para agradar o grande público. Não é à toa que ele chegou ao estrelato e transitou entre as principais rádios e TV do país.

Como acontece até hoje com os programas de auditório, Chacrinha também foi o responsável pelo surgimento e a melhoria da carreira de muitos artistas. Sidney Magal, Secos e Molhados, Roberto Carlos, Clara Nunes e tantos outros. Isso foi bem mostrado no filme, mas a ênfase está na presença de Clara Nunes na vida do Chacrinha, inclusive como amante. Assim, como já disse, fica frisado que ele era um homem realmente como qualquer outro. Errou e pagou um preço por este erro, mas não cabe julgamento, já que somos falhos e também temos o direito de tentar consertar essas lacunas.


A atriz Laila Garin deu charme e beleza à guerreira. Sua atuação está ótima e mostra uma mulher independente e que sabe o que quer. Dona de uma linda voz e de uma beleza estonteante. Ela, assim como Abelardo, tomou uma decisão e foi julgada por ela. Ação e reação. Erro e julgamento. É a vida…

Boato ou verdade, o que fica nessa história é que sempre seremos julgados por nossos atos. Mais do que isso, o que permanece na mente do espectador é o fato de ele ter optado, no final, pela família. Não justifica o provável erro, mas minimiza os estragos feitos, apesar das sequelas.

Paizão.

                                                                                                         Elke no auge da beleza.

Chacrinha foi pai de muitas pessoas que ajudou na vida. Era um verdadeiro protetor das Chacretes e isso está perfeitamente retratado no filme. Também teve uma relação paternal com a linda Elke Maravilha (Gianne Albertoni) que se mostrou uma das pessoas mais fiéis a ele. Aliás, o carisma da Elke foi muito bem replicado pela bela Gianne que emociona o público com uma atuação ótima.

O lado família também oscila entre as pessoas que fazem parte da sua história como apresentador e, claro, os integrantes de sua verdadeira família. A mulher Florinda Barbosa (Carla Ribas a interpreta mais madura, enquanto Amanda Grimaldi é a versão mais nova) é um de seus alicerces, assim como seus filhos Jorge (Rodrigo Pandolfo), Leleco e Nanato (interpretado pelo mesmo ator, Pablo Sanábio). Elke Maravilha também é retratada como uma quase filha, responsável por muitos momentos de apoio ao Velho Guerreiro.

Apesar de muitos aspectos que dificultavam a convivência (o temperamento era o mais forte), ele sempre foi considerado por todos como um pai. Elke o chamava sempre de “paizão”, fruto do carinho e do respeito que havia entre eles.

Na TV nada se cria, tudo se copia.

Seu bordão famoso é mostrado na mais engraçada e turbulenta passagem da vida do Chacrinha na TV quando, em um rompante de raiva por causa do aumento da audiência de Flávio Cavalcanti (Marcelo Serrado), decidiu “sequestrar” a atração principal dele. Essa sequência abre o filme e também aparece na íntegra mais à frente na trama. Como diria o apresentador, “na TV nada se cria, tudo se copia”.

Boa parte dos programas de auditório e até programas de rádio tentaram copiá-lo. Alguns até se aproximaram, mas o que não poder negado é o carisma e o jeito irreverente do Chacrinha que fez com que famílias inteiras parassem tudo para assistir seu programa.

Despedida.

O fim do filme não pende para o drama ou sequer mostra a morte de Abelardo Barbosa em 30 de junho 1988. Ao contrário, o que vocês verão é uma homenagem justa, poética em alguns momentos e, sobretudo, realista. O homem e o mito são retratados de forma honesta e marcante. Certamente muitos que não viveram essa época ficarão interessados e buscarão, no Youtube ou outra plataforma, os vídeos antigos dele. E vale realmente essa busca pela memória do Velho Guerreiro, um homem que marcou pela irreverência, uma certa dose de malícia e um jeito único de apresentar programas. Ele foi tema de samba-enredo, está na música “Aquele Abraço” e é parte indissolúvel da memória do rádio e da televisão brasileiros.

 

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