A Bela da Tarde (1967): Casada atende entre às 2 e às 5.

O Surrealismo é um movimento artístico cuja principal característica é o rompimento com a razão e a lógica. Não somente a razão social ou real, mas todo o tipo de pensamento dependente de uma estrutura fixa e aceitável para ser entendido ou aceitável. Logo, os artistas buscaram nos sonhos, nas fantasias e nas impressões pessoais, uma nova maneira de manifestar a arte sem a necessidade de explicação, a performance também estaria em quem a vislumbrasse. Por causa disso, até hoje, há quem a defenda e quem a abomina. No cinema, ela foi responsável por filmes experimentais, documentários poéticos, filmes de fantasia e ficção e outros trabalhos que retratavam os sentidos, a mente e o coração.

O maior representante desse movimento é o diretor espanhol nascido no México Luis Buñuel aclamado pela crítica e pelo público e muito influente na indústria cinematográfica. Não havia gênero fixo para seu surrealismo dirigiu todos os tipos de gêneros demonstrando sua versatilidade e importância para perpetuar a estética artística.

No seu drama francês de 1967, temos uma cena de abertura do casal, o Dr. Pierre Serizy (Jean Sorel) e sua esposa Séverine Serizy (Catherine Deneuve) passeando de carruagem. De repente, ele pede para os cocheiros, a arrastarem para o meio do mato, amarra-la e dá-lhe chicotadas antes de aproveitarem do seu corpo. Em momento algum, ela parece sofrer, pelo contrário, é só prazer. De repente, estamos no quarto deles, eles dormem em camas separadas e não conversam muito. Apesar do sucesso do marido cirurgião, da vida regada a grandes prazeres e uma casa com empregada, ela sente falta de algo mais. Numa conversa com o amigo casado e flertador de Pierre, Henri Husson (Michel Piccoli), ela acaba descobrindo o endereço de um bordel oculto de Madame Anais (Geneviève Page). Assim começa sua vida dupla sob o nome de guerra que dá o título ao filme.

O nome é uma paródia para o apelido francês Belle de Nuit (Bela da Noite) dado as prostitutas no país. Também é uma homenagem ao Lírio-do-dia, cujo desabrochar é pela manhã para murcharem a noite. Apologia a vagina e a vida sexual de Séverine. O filme foi roteirizado pelo próprio Buñuel com crédito para Jean-Claude Carrière baseado no romance de mesmo nome datado em 1928 escrito por Joseph Kessel.

As cenas são cronológicas aos acontecimentos são intercaladas com flashbacks e fantasias pessoais da protagonista. Apesar do tema, há muito lingerie e pouca exposição de nudez feminina. O sadomasoquismo não tem apelo e chega a ser comico assim como outras formas de sexo expostas. Não há trilha sonora no filme, somente som ambiente e músicas ouvidas pelos personagens se tiverem toca-discos ou rádio. O figurino foi feito pelo estilista Yves Saint-Laurent.

O filme é mais famoso e sucessivo comercialmente do diretor. E devido a brigas por direitos de exibição e censura de cenas com os produtores Irmãos Hakim, o filme só seria relançado em 1995 nos EUA graças a campanha do diretor Martin Scorcese. Na Europa, há uma continuação feita pelo português Manoel de Oliveira chamada Sempre Bela de 2008.

O filme, indo além do feminismo e misoginia para os padrões da época, representa uma limitação surrealista do diretor, não é preciso tanta imersão ou total desprendimento da realidade quanto os seus trabalhos anteriores. O final é o que deixa múltiplas interpretações. Assim, o filme é indicado para quem tem paciência para entender a história por meio da performance e diálogos dos atores num ritmo moderado porém os três atos estão bem definidos e interligados. Une bonne indication de film.

O Diretor: É considerado o principal expoente do Surrealismo no cinema. Na Universidade de Madri tornou-se amigo de Salvador Dalí e Federico García Lorca. Com Dali, escreveu os filmes Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro. Se marcado pelo surrealismo em seus primeiros trabalhos, ao longo de sua carreira Buñuel manteve diálogo com diferentes correntes artísticas, com filmes que debateram a religião, a moral humana e a burguesia. Faleceu em 1983

Curiosidades: 

  • O filme foi selecionado para o Festival de Cannes em 2017.
  • O próprio diretor Luis Buñuel mencionou certa vez que não sabia exatamente o significado do final do filme.
  • Catherine Deneuve revelou em uma entrevista realizada em 2004 que se sentiu muito exposta fisicamente durante as gravações. A atriz também acrescentou que mostraram mais de seu corpo no filme do que disseram a ela que mostrariam.

A Bela da Tarde (DCP, França, 1967, 100min.)

Roteiro: Luis Buñuel, Jean-Claude Carrière (baseado no livro de Joseph Kessel)
Fotografia: Sacha Vierny
Montagem: Louisette Hautecoeur
Som: René Longuet, Pierre Davoust
Elenco: Catherine Deneuve, Jean Sorel, Michel Piccoli, Geneviève Page, Pierre Clémenti
Produção: Raymond Hakim, Robert Hakim
Título original: Belle de Jour

Sinopse: A bela e jovem dona de casa Severine Serizy (Catherine Deneuve) não consegue conciliar sua fantasia masoquista com a vida cotidiana ao lado do zeloso marido Pierre. Quando seu amigo Henri menciona um secreto bordel de classe alta, dirigido por Madame Anais, Severine decide visitá-lo e, eventualmente, passa a trabalhar lá durante o dia sob o nome de Bela da Tarde. Porém, quando um de seus clientes se torna possessivo, ela precisa tentar voltar à sua vida normal.

Premiado no Festival de Veneza 1967 (Leão de Ouro & Pasinetti Award) e uma bela indicação de melhor atriz por parte de Catherine Deneuve no Festival de BAFTA Awards 1969, “A Bela da Tarde” retorna aos cinemas dia 07 de dezembro, com distribuição da zeta filmes.

Mais do NoSet

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *