Assassinato no Expresso Oriente

Assassinato no Expresso Oriente lembra um pouco o encontro da Chapeuzinho Vermelho com o lobo mau. Quando você vê o trailer, vai se perguntando. Por que um elenco tão bom? Por que esse ótimo diretor? Por que refilmaram uma das melhores histórias da Agatha Christie?

Quando você assiste o filme, ele responde. É para abocanhar o espectador.

Kenneth Branagh é duplamente culpado por Assassinato no Expresso Oriente ser um ótimo filme.

Primeiro, por ser o diretor. No seu currículo, algumas das melhores adaptações de Shakespeare para a grande tela, como Henrique V [Henry V 1989] e Muito Barulho por Nada [Much Ado About Nothing, 1983], além de outros bons filmes, como Voltar a Morrer [Dead Again, 1991] e Frankenstein de Mary Shelley [1994]. Até mesmo no universo Marvel já se aventurou, com Thor [2011]. Acostumado a lidar com clássicos, sua direção respeita as obras que adapta. Realiza intervenções cirúrgicas para adequar a linguagem e o ritmo da narrativa ao público. Esse mesmo tratamento respeitoso foi dado à história da Dama do Crime.

Segundo, por ser o ator principal. Dá vida a um Hercule Poirot cativante. Um pouco mais dinâmico e disposto do que os leitores de Agatha estão acostumados. Também, um pouco mais parecido com o Sherlock Holmes em suas deduções imediatas a partir de detalhes sem importância. Nada disso desnatura, no entanto, a essência do personagem.

O restante do elenco é luxuoso. Johnny Depp [Edward Ratchett], Michelle Pfeiffer [Caroline Hubbard], Willem Dafoe [Gerhard Hardman], Penélope Cruz [Pilar Estrevados], Derek Jacobi [Edward Masterman], Daisy Ridley [Mary Debeham], Judi Dench [Princesa Natalina Dragon] … Não vou enumerar todos, pois somente o elenco daria um texto à parte. Um diretor inexperiente poderia se perder nessa selva de talento. Branagh concede a cada um o seu momento particular. E cada um deles, em poucos minutos, às vezes segundos, de tomada, caracteriza o personagem e deixa a sua marca.

Aliás diretor e elenco excelentes são uma marca das adaptações de assassinato no Expresso Oriente. A versão de 1974, dirigida por Sidney Lumet, tinha Albert Finney (indicado ao Óscar de melhor ator), Lauren Bacall, Ingrid Bergman (que ganhou com ele o Óscar de melhor atriz coadjuvante), Anthony Perkins, Sean Connery, Vanessa Redgrave, entre outros.

O filme de 2017 inicia com a solução de um rumoroso caso por Poirot, em Jerusalém. As cenas iniciais não constam da história original e servem para introduzir às novas gerações quem é Hercule Poirot. Resolvido o caso, o detetive viaja para Istambul, onde toma, apressado pelo chamado de um novo caso, o trem Simplon Oriente, em direção a Londres. Durante toda esta rápida introdução, os personagens são apresentados. Há uma clara estereotipação. O mordomo. A princesa. O americano de negócios e assim por diante. O filme, como o livro, trabalha com tipos que já conhecemos em nosso imaginário, para não se deter em minúcias.

        Ao saber que Poirot está no trem, Edward Ratchett, um desagradável e rude marchand, tenta contratá-lo como um segurança, dizendo-se ameaçado de morte. Depp nos faz detestá-lo em um minuto de conversa. É interessante comparar sua interpretação com a de bobo alegre que perfaz em Piratas do Caribe, para ter noção da sua versatilidade e talento. Poirot recusa o serviço. Naquela noite, Edward é assassinado. Logo depois, o trem fica peso na neve.

O que se segue é a construção de uma colcha de versões sobre aquela noite, formada pelas entrevistas a cada um dos viajantes. Enquanto estão isolados do mundo, Poirot procura descobrir o assassino entre eles. A história flui com bom ritmo e boas reviravoltas, sendo estas mérito da inventiva Dama do Crime.

Branagh consegue montar o filme de forma que a trama coubesse em menos de duas horas de duração. Seria aceitável estendê-lo por mais trinta minutos, dando espaço ao elenco. Há, todavia, uma grande resistência dos produtores e do público a filmes com maior duração.

A trilha sonora e a fotografia, ambos irretocáveis, ajudam na construção do clima de opressão e suspense, até o surpreendente final, que desagua em um dilema moral para nosso detetive. Ocorre-me, agora, se é possível dar spoiler sobre um romance lançado há mais de setenta anos? Por via das dúvidas, não falarei que o assassino é

Seja ele quem for, o filme é uma aula de como se adapta um clássico da literatura para o cinema, mantendo parcelas equivalentes de arte e de diversão.

Vá ver.

 

 

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