Assassinato no Expresso do Oriente: honrando o legado de Agatha Christie.

Os tempos modernos são uma benção e uma maldição para as adaptações de obras clássicas. Em virtude do apelo visual, alguns diretores, produtores e roteiristas preferem dar enfase nas narrativas aceleradas, cujas maiores virtudes são as impressionantes cenas e a inclusão de ângulos de visão diferentes para embutir o espectador na ação. Bem, nada de errado nisso desde que haja uma dosagem correta do recurso. Entretanto, muitas produções de potencial se perderam ao usar este recurso narrativo.

Assassinato no Expresso do Oriente é uma obra mais do que clássica, fruto da mente da genial Agatha Christie que detém alguns dos mais vendidos livros do mundo. É impossível negar sua pertinência no meio literário e é mais impossível ainda descartar a influência de sua legião de fãs que surge quase como uma herança de pais para filhos.

Assim, preocupado com os blockbusters que priorizam o visual, fui ao cinema com poucas expectativas para o longa, mesmo sabendo se tratar de uma produção baseada em um excelente livro de Agatha.

Agora, vamos às considerações sobre o que realmente foi Assassinato no Expresso do Oriente, mas antes vamos contemplar o clip oficial do filme:

Elenco.

Caso você não tenha visto a versão de 1974, recomendo que veja. Há dois pontos muito positivos nessa adaptação que são a recriação impressionante do clima do Expresso do Oriente e, sobretudo, o elenco estelar.

A nova versão do diretor Kenneth Branagh é outro achado por contar com um elenco absurdamente competente e diversificado. Vejam os nomes do elenco principal: Kenneth Branagh (Hercule Poirot), Tom Bateman (Bouc), Lucy Boynton (Condessa Andrenyi), Josh Gad (Hector MacQueen), Manuel Garcia-Rulfo (Marquez), Derek Jacobi (Edward Masterman), Olivia Colman (Hildegarde Schmidt), Marwan Kenzari (Pierre Michel), Leslie Odom Jr. (Doutor Arbuthnot), Willem Dafoe (Gerhard Hardman), Michelle Pfeiffer (Mrs. Hubbard), Judi Dench (Princesa Dragomiroff), Sergei Polunin (Conde Andrenyi), Daisy Ridley (Mary Debenham) e Johnny Depp (Ratchett).

Mais do que reunir tantas estrelas, a Fox foi bem sucedida em ter Kenneth Branagh na direção do longa-metragem. Ele e sua equipe conseguiram recriar de forma belíssima o trem, suas instalações e algumas das mais belas locações por onde o Expresso transita.


Roteiro.

O que poderia ser um facilitador para o roteirista pode se transformar em uma armadilha. Adaptar a obra de Agatha Christie não é uma tarefa tão simples quanto alguns podem achar. É preciso ter consciência que a adaptação não pode ser exatamente igual ao livro e, em contrapartida, não pode também ser radicalmente diferente do livro, pois a escritora ainda detém uma legião de fãs que estão vigilantes sobre todas as adaptações envolvendo o nome da escritora.

Assim, diante da obrigatoriedade de fazer algo à altura do escrito pela imortal escritora, o roteirista Michael Green foi muito inteligente e criou um script com pouquíssimas alterações em relação ao livro e tão cativante quanto este. Entre os pontos positivos quando comparados ao livro estão a explicação para a interrupção da viagem e a interligação com dois outros livros.

Há algumas divergências e até um início diferente do best-seller, porém nada que atrapalhe o prazer do espectador. Fãs do livro também irão se sentir muito satisfeitos com essa nova versão.

Alguns reclamaram da inexistência de novidades na trama. Para estes eu digo: essa é uma obra-prima que não deve ser desvirtuada, o que não impede que produtores façam o outro filme com traços diferentes da obra original, mas essa é uma jogada muito arriscada.

Cinema que une o moderno ao tradicional.

Kenneth Branagh sabe que um remake é algo muito difícil. Comparações são inevitáveis e nem sempre o novo elenco atende ao que se espera. A pressão em conduzir um longa como esse é brutal. Mesmo assim, o diretor obteve um filme de muitas qualidades e fiel a quase tudo no livro. Esse resultado só foi possível graças à direção competente, ao roteiro enxuto e sem surpresas desagradáveis, ao elenco que soube dar credibilidade à trama e, ainda, ao uso de recursos modernos para recriar locações magníficas por onde o trem passa. A fusão entre a tecnologia dos tempos de hoje e a interpretação magnífica de todos dá peso a essa nova obra baseada no livro de Agatha Christie.

Algumas tomadas no filme são perfeitas, seja pelo uso de cores ou o posicionamento da câmera. Só a cena onde eles discutem sobre o assassinato e a câmera está posicionada acima de suas cabeças já é uma aula de cinema.

O mistério.

Esconder quem é o assassino, cujo crime envolve todos como suspeitos, é uma arte à parte no filme. A todo momento somos conduzidos a crer que um personagem é o matador, mas essa certeza é perdida muito em breve. Tal como no livro da Rainha do Mistério, direção, roteiro e elenco criaram o mesmo mistério que existe no livro com ótimo diálogos e, como já disse, interpretações impecáveis.

Vocês serão conduzidos literalmente por toda a investigação que Hercule Poirot faz para chegar ao responsável pelo crime. Mais do que isso, vamos percebendo lentamente que as pistas podem não ser verdadeiras, o que complica demais o trabalho de Poirot. Chega a um ponto onde o questionamento sobre a eficácia do trabalho do detetive é posta em dúvida. Isso é 100% Agatha Christie e funciona bem demais no cinema.

A resolução.

Muito além do que uma simples investigação, Poirot promove uma verdeira caça às bruxas. Ele mostra logo no início do filme ter uma capacidade incomum para deduzir. Sua inteligência é mundialmente conhecida, mas isso não impediu que alguém cometesse um crime quase em frente a ele. Essa petulância será cobrada e Poirot empenha todo o seu intelecto na perseguição e captura do meliante.

Resolver o mistério é um dos melhores e mais tensos pontos do filme. Não vou dar spoiler sobre o encerramento do filme, porém confirmo que ele foi sensacional e surpreendente, principalmente se você leitor deste post ainda não tiver tido o prazer de ler o livro homônimo.

Parabéns à Fox pela coragem de trazer um elenco estelar em um longa-metragem eletrizante, cheio de suspense e produzido com um apuro pouco visto. As novas gerações mereciam um filme sobre uma obra de Agatha Christie feito com a tecnologia atual e a arte cênica que consagrou grandes astros do cinema.

E que venha a sequência “Morte no Nilo”.

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